Não fosse pelo belo e bom estado geral do país, seria por sorver a paz que o Uruguai vive. Coisa de dar inveja no turista brasileiro, por quem, com simpatia impar, manifestam pena pelas desditas vividas nos três últimos anos. Que paso?
Comprido explicar em portunhol, espanhol, inglês ou qualquer outra língua. Melhor responder trazendo a indagação para o presente: que passa? Porque é bem isso que nos perguntamos, assim meio abobalhados com o que passamos ahora. Ontem? Um, dois, três, quatro, cinco anos atrás?
Mas ser turista é levar na mala curiosidade de saborear a terra alheia. E o Uruguai é tão delícia quanto seu tradicional doce de leite. Maravilhoso. Principalmente porque vive em paz, tem o povo orgulhoso do que foi feito nos últimos 15 anos, desde que descolou-se da dependência do ire e bire das economias do Brasil e da Argentina.
O que aconteceu quando uma união política de centro-esquerda formou um partido – a Frente Ampla -, venceu a eleição e desde 2005 botou seus economistas e burocratas para pensar saídas para o país – sem reformas mirabolantes, mas com definição e ajustes de suas prioridades.
O Uruguai é um país possível. Foi o mote da campanha que deu a primeira vitória à Frente Ampla. Comparaçãozinha básica – o oposto do JMessias que, cinco meses depois de empossado, copia e passa pra frente a aposta de que o Brasil é ingovernável.
Turista deixa os desacertos nacionais na fronteira e vai tomar o mate alheio. Turismo no Uruguai é lucro. Responde por 10% do PIB nacional. É parte das prioridades ajustadas no primeiro governo de Tabaré Vasquez, que incluíam redirecionamento das exportações para a Ásia e Europa, com o devido e verdadeiro certificado de qualidade, investimentos em energia renovável, na área de serviços e em tecnologia.
Os gastos em pesquisa científica aplicada à produção de alimentos cresceram em mais de 70%.
Costurando uma política econômica moderada, os governos da Frente Ampla – já são três – deram benefícios fiscais para investimentos estrangeiros, criaram zonas francas de isenções fiscais e estímulos para a inovação agropecuária.
No campo político, principalmente não fizeram dos derrotados inimigos, mas adversários, que estão lá fazendo oposição e tentando vencer as próximas eleições.
Com mais ou menos detalhes, a mudança sem mágica do Uruguai é contada por um e outro em conversas de ruas, bares – são muitos -, no taxi, no uber, no hotel. Os Uruguaios têm orgulho do país em que vivem hoje. E o ponto principal desse orgulho tem nome – Jose Mujica, o segundo e mais famoso presidente da Frente Ampla, que pedem licença pra chamar de Pepe.
Foi Pepe, dizem eles, quem provou que o político pode ser um ser humano normal, descente, amoroso com seu país e com seu povo. Em cinco dias de visita, o relato principal sobre Pepe não é sobre a liberação da cannabis, mas que dividiu seu salário. Ficou com um quinto, que era a grana com que vivia, como agricultor, antes de ser eleito. O restante legava para necessidades do povo. “Ha hecho esto”!, reforçam com prazer.
Os uruguaios não são efusivos, nem coloridos. São simples, são sóbrios no vestir e educados. Muito educados. 98,3% da população é alfabetizada.
Têm orgulho de ter saúde e educação garantida, de boa qualidade e universal. Reclamam dos impostos altos. (Quem não?) Alguns também da distribuição de renda mínima para os desvalidos, sem contrapartida – dizem.
Outros resmungam do pouco acompanhamento na “distribuição’ da cannabis nas farmácias, que é proibida para os menores de 18 anos”. Mas, dizem, acaba vendida para esses pelos maiores.
A democracia uruguaia não é um paraíso. Ano passado, houve aumento nos índices de homicídios – foram 382, mais de um por dia. O que pra nós seria conta mensal, ou semanal.
Há ainda outros índices de fazer inveja – 65% de sua população está na classe média, e o país tem o terceiro melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da América Latina. A inflação não chega aos 8% ao ano, a taxa de desemprego está perto dos 7%. Em cada canto de Montevidéu há um imigrado brasileiro trabalhando e feliz.
O Uruguai guarda com respeito as dores da ditadura, que durou 12 anos – 1973 a 1985 –, deixou 174 desparecidos e 100 mortos. Destruiu a economia e a alegria. Ontem, em Montevidéu, sob chuva, foi realizada a 24ª Marcha do Silêncio em homenagem às vítimas da ditadura. “Impunidad. Responsabilidad del Estado. Ayer y Hoy”. Palavra de ordem.
Hoje, o país – em paz – lidera o ranking da América Latina de satisfação com a democracia.
É o Uruguai. Vizinho, de três milhões e meio de habitantes, 176 mil km² de pradarias. Pioneiro em medidas relacionadas com direitos civis e democratização da sociedade. Em 1907, foi o primeiro país a legalizar o divórcio e, em 1932, o segundo país da América a dar direito de voto às mulheres. Em 2007, foi primeiro país sul-americano a legalizar união civil entre pessoas do mesmo sexo e a permitir a adoção homoparental. Em 2013, foi primeiro do mundo a legalizar o cultivo, a venda e o consumo de cannabis.
Tânia Fusco é jornalista