Um jeito diferente
A Conferência Cidadã não era um evento partidário. Tratava-se de um representativo ato político-cultural
Dia desses constatei, meio surpreso, que já tenho meio século de vida pública. Vida pública não se constitui apenas na política institucional. Para ela, conta toda atividade gregária organizada, com visão de mundo e algum tipo de projeto em sua comunidade, igreja, clube, sindicato, grupo cultural. Adolescente, já participava, com entusiasmo (= “Deus dentro da gente”), da Juventude Estudantil Católica (JEC), que me inspirou para a atuação no grêmio estudantil do Colégio de Aplicação da UERJ. Repetindo o amigo cineasta Silvio Tendler, tenho orgulho do meu passado, não nostalgia…
Pois essa memória toda é para dizer que, no último sábado, vivi uma experiência inédita em minha longa história política. Participei, como convidado, da Conferência Cidadã, organizada em São Paulo pela Frente Povo Sem Medo. Não era um evento partidário. Tratava-se de um representativo ato político-cultural.
Caetano garantiu, ao vivo, uma belíssima trilha sonora. À sua voz cantante – e de Maria Gadú – entremearam-se as de sem teto e indígenas, urbanistas, negro/as e feministas, estudantes e professores, sindicalistas e poetas, economistas e ambientalistas, acadêmicos e LGBTs, cadeirantes e líderes comunitários, atores/atrizes e peões, religiosos e cientistas, jovens e idoso/as. À frente, o Brasil vivo, profundo, resistente, lutador: Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. “Todos os sotaques de um país diverso e injusto”, como registrado no manifesto lido naquela noite. Campo e cidade, voz dos sem voz. Dali saiu um aval – diverso, contundente e plural – para que Boulos se filiasse ao PSOL e se colocasse como pré-candidato à presidência da República. Nenhum “chefe político” deu essa “licença”, e sim movimentos vivos da população.
Para poder vir a ser candidato à presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos filiou-se ao partido e postula a indicação. Além dele, são pré-candidatos os economistas Nildo Ouriques (SC), Plínio Sampaio Jr (SP) e Hamilton de Assis (BA), do movimento negro. Todos, como Boulos, com admirável histórico e compromisso com os interesses do nosso povo. A combativa Sônia Guajajara (MA) decidiu compor uma chapa com Boulos. No sábado que vem a Conferência Eleitoral Nacional do PSOL votará quem terá a honrosa e dura tarefa de representar nosso programa para o Brasil, que já tem suas linhas mestras e será aprofundado em diálogo permanente com todas as forças sociais mudancistas.
Essa é a embocadura de um fazer político diferenciado. O Brasil do caciquismo político, ainda tão patrimonialista, patriarcal e oligárquico, precisa de práticas novas. Só elas revitalizarão nossa democracia, afirmarão grupamentos com identidade própria e respeito à ética pública. Só assim, com novos protagonistas, começaremos a fazer dessa vergonha uma Nação.
Chico Alencar é professor, escritor e deputado federal (PSOL/RJ)