O governo foi claro ao enviar sua proposta de reforma administrativa ao Congresso Nacional nesta quinta (3): “não há bala de prata”. As mensagens subjacentes são duas. A primeira é que não haverá economia no curto prazo, embora isso possa ser modificado. A segunda é que a reforma é um processo que conjuga várias iniciativas e muitos atores, podendo ocorrer de forma assimétrica entre os poderes. Com tudo isso, não é um remédio de efeito imediato.
De maneira geral, o endereçamento da reforma, como se deu, foi limitada por dilemas políticos do presidente Jair Bolsonaro. Embora o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Mário Paes de Andrade, tenha dito que a decisão de excluir os atuais servidores respeita “contratos já firmados”, o fato é que Bolsonaro não gostaria de se indispor com funcionários públicos mais uma vez (a primeira foi a reforma da Previdência).
Aliás, é necessário abrir um parêntese. Se o argumento de “contratos firmados” do secretário Caio Mário fosse, de fato, mantra dentro do governo, não teria sido possível a mudança do sistema de aposentadorias, que acabou atingindo quase todo mundo, o pessoal da ativa, aposentados e pessoas que vão entrar no mercado de trabalho.
É importante ter em mente que o presidente voltou atrás ao decidir enviar a reforma administrativa neste ano. O motivo é a situação fiscal precária e o risco de liquidez dos títulos do Tesouro que financiam a dívida, que ficou claro na operação envolvendo Banco Central e Tesouro Nacional na última semana. Ou seja, o governo se preocupou em emitir sinais ao mercado de que tomaria cuidados extras com as contas públicas.
No entanto, sem envolver os atuais servidores e sem estimar quantos vão ingressar nas carreiras típicas de Estado nos próximos anos, fica impossível saber quanto vai se economizar a partir de sua aprovação. Ou seja, sem negar a importância das sugestões colocadas sobre a mesa, é provável que elas não ajudem a melhorar as expectativas dos investidores no curto prazo.
O governo mostra que o problema é mais complexo do que o senso comum define. Para começar, cada poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) deve mandar o seu próprio projeto de reforma e há enorme desconfiança quanto a vontade de avançar nesta agenda no poder Judiciário. A missão deve ficar a cargo do ministro Luiz Fux, que deve assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) neste mês.
A PEC encaminhada trabalha questões importantes. Cria dois tipos de servidores, um de Estado, parecido com os atuais, e outro de funções assessórias, sem estabilidade, que poderia ser demitido sem problemas em caso de crises fiscais, por exemplo. Há mudanças também nas regras de acumulação de cargos (mais flexível), de desligamento (mais possibilidades de demissão e medições de desempenho), fim de vantagens, diretrizes gerais para novos planos de carreira, maior autonomia do chefe de poder para organizar as estruturas administrativas, incentivo à premiação por resultado e à cooperação entre os níveis da federação.
Todos os temas são importantes e devem receber boa acolhida no Congresso Nacional. Mas, para ter efeito positivo sobre a percepção de risco do país, a reforma administrativa deve ser combinada com mudanças que permitam alguma redução da folha para torná-la adequada já à realidade fiscal do pós-Covid. A PEC emergencial, em tramitação no Senado Federal, que permite reduzir salários e jornadas de trabalho, seria a medida com maior capacidade de um impacto imediato.
Por isso, embora tenha inegável importância para a modernização da administração pública, a reforma enviada hoje tem efeito apenas profilático. Ele previne uma doença maior no futuro, mas não resolve nada do mal fiscal atual.
Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB); https://capitalpolitico.com/