Reeleição: confesso que errei (por Roberto Brant)
Governos que governam com os olhos voltados para as pesquisas de opinião
A Constituição de 1988 trouxe ao nosso país muitos avanços civilizatórios, mas não podemos omitir que ela também consagrou muitos privilégios corporativos que tornaram o país mais desigual. Ela também não ousou em renovar o sistema político e partidário, deixando as sementes para as disfunções políticas que nos afetam até hoje.
Nesses mais de 30 anos de governos democráticos o Brasil progrediu em muitas coisas e vivemos em liberdade. Infelizmente a nossa economia tem crescido muito pouco, ou quase nada, e as desigualdades sociais não diminuíram. O sentimento que fica é que a nossa democracia não tem produzido sempre os melhores governos.
É verdade que os governos não podem tudo e não devem ser responsabilizados por todos os problemas da sociedade. No entanto, bons governos, os que têm a capacidade de distinguir os problemas verdadeiros e que se esforçam para unir a nação, colocando o interesse coletivo acima de tudo, fazem muita diferença.
Já governos que governam com os olhos voltados para as pesquisas de opinião e vivem em permanente campanha eleitoral não enfrentam as questões difíceis e não servem à nação, e sim a si próprios.
Eleições são a melhor forma conhecida para a escolha dos governantes. O voto popular, contudo, nem sempre é capaz de diferenciar os bons dos maus candidatos. Nós temos sido a prova desta realidade, pois temos escolhido governos que não estão à altura dos problemas com que devem lidar. Por isto as boas leis e instituições democráticas devem ser capazes de limitar e de conter os maus governos, impedindo que eles causem danos permanentes ao país ou que se eternizem no poder.
O Brasil cultivou durante quase toda a sua história a sábia tradição de não permitir a reeleição dos governantes. Esta tradição, que percorreu todas as nossas Constituições, prevalecendo até mesmo durante os governos militares, funda-se em razões incontestáveis.
Governos que podem buscar a reeleição não chegam a governar, pois vivem em campanha permanente e a lógica das campanhas é muito diferente da lógica de governar. Candidatos vivem de agradar a todos, mesmo sendo insinceros. Governos precisam ter a coragem de contrariar interesses e mirar o longo prazo e não o calendário eleitoral.
Além disso, os recursos naturais do poder tornam a competição eleitoral injusta e desigual. Até mesmo os maus governantes acabam reeleitos.
A própria perspectiva de reeleição torna mais aguda a polarização política no parlamento e estreita as possibilidades do entendimento suprapartidário necessário à aprovação de matérias que, sendo úteis ao país, no entanto favorecem igualmente a aprovação e a popularidade do governo. Sem essa cooperação as verdadeiras reformas legislativas não acontecem porque o ambiente eleitoral envenena as relações políticas.
Em 1997 rompemos com a sabedoria da nossa tradição e aprovamos uma emenda para permitir a reeleição, com a intenção de prolongar no tempo um governo moderno, reformista e com alta aprovação, na ilusão de que os homens e as circunstâncias eram mais importantes. Deste momento em diante todos os governos que se seguirem, em todos os níveis da federação, passaram a encarar a reeleição como um direito e até mesmo uma obrigação.
O resultado é que quase sempre os governos mal duram os primeiros dois anos de mandato. O resto do tempo é campanha eleitoral com os recursos do poder, dividindo o sistema político em dois lados inconciliáveis. Eu contribuí com meu voto e meu trabalho parlamentar para introduzir este grave defeito em nosso sistema político já tão precário e disfuncional. Reconheço que cometi um erro difícil de ser reparado e me arrependo.
O país está pagando um preço alto por essa equivocada inovação. Hoje mesmo, o atual governo da República parece que já desistiu de governar e se mobiliza para uma eleição no ainda longínquo ano de 2022, tal qual tantos outros já fizeram. Minha esperança é que um dia o país desperte para o erro e retorne à nossa antiga tradição, em má hora interrompida.
Roberto Brant foi deputado federal constituinte por Minas Gerais, secretário de Fazenda no governo Hélio Garcia em Minas, ministro da Previdência e Assistência Social do governo de Fernando Henrique Cardoso. Preside atualmente o Instituto CNA. Escreve nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.