Com o capítulo da reforma da Previdência consolidado, o Legislativo debruça-se sobre a questão tributária, mas o pano de fundo político permanece como desafio à estabilidade.
A condução da pauta com base em critérios rígidos pelo Executivo não a faz passível de conclusão sem alguma dose de inflexibilidade e com desfecho em que haverá vencedores e perdedores.
O presidente Jair Bolsonaro já demonstrou que o filtro ideológico rigoroso pode não ser decisivo para nomeações em seu governo, mas certamente o é para a permanência do nomeado. Sem biografia puro-sangue não há chance de emplacar, pelo menos, em cargos estratégicos.
É com esse critério, e com peneira mais fina, que reflete há semanas sobre o nome que mais se adequa a esse padrão para a Procuradoria-Geral da República. Por tratar-se de uma decisão pessoalíssima, desautoriza previsões.
O Procurador-Geral é peça essencial na estabilidade pelas suas atribuições, que englobam a defesa do estado de direito e a tutela da ação penal. A ele compete a proposição de inquérito e a denúncia contra o Presidente da República, ministros e parlamentares.
Não por outra razão, é constante a tentativa do Poder Executivo em capturar os órgãos de controle, entre os quais a PGR figura como o mais alto. O atual governo não foge à regra.
Com o partido mais numeroso no Legislativo e com duas indicações a serem feitas para o Supremo Tribunal Federal ainda nesse mandato, o presidente Jair Bolsonaro cumpre o período de reflexão sobre a escolha do novo PGR sob forte pressão de correntes antagônicas.
Acertar a melhor estratégia nesse tabuleiro de xadrez poderá lhe propiciar as condições indispensáveis à imposição de sua linha de governo sem maiores sobressaltos. Ao contrário, com inúmeras frentes abertas e com a característica de governo polêmica e provocadora, correrá o risco de permanente instabilidade.
Bolsonaro olha para a questão não só por esses poderes da PGR, mas também pela sua importância em questões como a ambiental, da legislação de armas e outras que produzem reações no contexto global e econômico.
Mas, seguramente, os critérios que orientam sua decisão poderão levar a um desfecho de maior controle sobre os métodos de investigação da Lava Jato, hoje questionados com vigor pelo Legislativo e pelas instâncias superiores do Poder Judiciário.
A recente aprovação da lei de abuso de autoridade pelo Senado, ratificada pela Câmara, transcorreu sem interferência do governo, para desagrado de seu partido, o PSL, do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e dos procuradores que protagonizaram a Lava Jato até aqui.
O ministro da Justiça já antecipou a parlamentares – e de forma pública – sua expectativa de que o presidente da República vete parcialmente o que o Legislativo aprovou. Se frustrado, acrescentará no seu contexto recente, mais um revés imposto pelo próprio Bolsonaro.
O presidente da República censurou publicamente a insistência de seu ministro da Justiça em priorizar o projeto anticrime por entender que representava uma concorrência à tramitação da reforma da Previdência, essencial para a economia. Agora, ameaça o humor do Legislativo no momento em que tenta aprovar o nome do deputado Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, neutralizou os ataques mais objetivos a essa pretensão, ao impedir a tramitação de propostas que proíbem especificamente essa nomeação.
Ao mesmo tempo, aconselhou o presidente a refletir mais e melhor sobre a nomeação do novo PGR, sustando a consolidação da candidatura do subprocurador Gustavo Aras, cujo perfil é o que melhor se encaixa como alternativa aceitável por Bolsonaro.
A aprovação de Eduardo Bolsonaro, que o próprio governo estima será apertada, poderá determinar daqui em diante o humor do Executivo com o Legislativo, pois o presidente da República apostou no filho todas as fichas, sem que haja alternativa ao seu nome.
Esse enredo se desenvolve enquanto a equipe econômica precisa de mais tempo para apresentar resultados, o que subtrai ao governo a paciência da população, de que ainda usufrui como gestor de uma herança maldita.
Não obstante o avanço representado com a aprovação da reforma da Previdência e, mais recentemente, da lei da liberdade econômica, na Câmara, a crise de curto prazo costuma cobrar efeitos imediatos por ser medida pelo contribuinte pela sua extensão e não por tempo de governos.
A rigor, a estagnação vem desde 2014 e a deposição do governo do PT, as boas medidas do governo Temer e a continuidade das reformas no governo atual, parecem a anestesia que começa a vencer.
Do ângulo da comunicação, pelo menos no campo didático, o governo vai mal. Concentra toda a visibilidade no campo ideológico, comprometendo a divulgação daquilo que pode ser contabilizado como resultado positivo.
Mesmo no caso da Previdência, se dependesse de uma campanha de convencimento, certamente não haveria aprovação. O clima favorável já estava criado e, nesse caso, a economia ditou a política.
João Bosco Rabello é jornalista do site Capital Político (capitalpolitico.com)