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O strip-tease moral do presidente e do seu desgoverno

Documento para a História

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 30 jul 2020, 18h55 - Publicado em 23 Maio 2020, 08h00

O mercado financeiro respirou aliviado no início da noite de ontem. Nada viu na gravação da reunião ministerial de 22 de abril último que possa derrubar o presidente Jair Bolsonaro. E comemorou quando Bolsonaro disse que na economia manda o ministro Paulo Guedes.

Parte do Congresso criticou o que assistiu, mas expressões inflamadas. Outra parte, ligada ao Centrão e faminta por cargos, defendeu Bolsonaro. Quanto mais fraco o presidente, mais precisará de votos para barrar um processo de impeachment.

Os tribunais superiores calaram-se. Ou porque seus juízes tomaram Rivotril ou porque se resguardaram para só se pronunciarem caso sejam provocados por ações judiciais. Nem mesmo a nota insultuosa do general Augusto Heleno mereceu uma resposta.

Quando é poderosa e duradoura a força do absurdo, ela normaliza o absurdo. Nem por isso o absurdo deixa de ser o que é. Por costume, os bolsonaristas de raiz, principalmente os mais radicais deles, multiplicaram nas redes sociais mensagens de apoio ao Messias.

Nada disso fará diferença quando Bolsonaro e seus auxiliares forem a julgamento, seja pelo Congresso ou pela Justiça, ou seja nas urnas em 2022. A História os julgará com o distanciamento crítico que a passagem do tempo permite. E o resultado é previsível.

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O vídeo liberado pelo ministro Celso de Mello é desde já uma peça histórica, não importa que consequências produza a curto ou médio prazo. É a maior coleção de crimes de responsabilidade cometidos por uma malta formada por 25 pessoas e encabeçada por Bolsonaro.

A apuração de qualquer um desses crimes dispensa maiores investigações. O país foi testemunha deles. Nunca antes se assistiu ao vivo o strip-tease moral de um governo. É razoável imaginar que jamais se assistirá. Ele ficou nu. E o que se viu foi um horror.

No dia em que a Organização Mundial da Saúde anunciou que a América do Sul é o novo epicentro da pandemia do Covid-19, o Brasil ultrapassou a Rússia e se tornou o segundo país do mundo com o maior número de doentes – quase 331 mil, com 21 mil mortes.

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E a respeito do mal do século que há exatamente um mês, por aqui, começava a se disseminar, o que discutiram o presidente da República e a equipe que ele diz ter montado com tanto orgulho? Quase nada. Só tocaram no assunto de raspão e com desprezo.

Bolsonaro afirmou na ocasião que se deveria armar os brasileiros para que resistissem à ordem “de um prefeito” de “deixar todo mundo dentro de casa”. No dia seguinte, assinou portaria aumentando a quantidade de munições que os civis poderiam comprar.

O ministro da Educação, na condição assumida por ele de ativista político, chamou Brasília de “cancro” e defendeu a prisão de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, “uns vagabundos”. A ministra da Mulher defendeu a prisão de governadores e prefeitos.

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O ministro da Economia foi direto ao ponto do que de fato preocupava Bolsonaro e foi o verdadeiro motivo da reunião: “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais. Precisamos eleger o presidente”. Quis dizer: reeleger, que é o que move Bolsonaro.

Condenado por improbidade administrativa à época em que era Secretário do Meio Ambiente em São Paulo, Ricardo Salles, agora ministro, sugeriu a adoção de medidas que driblassem as leis aproveitando o momento em que a imprensa só fala do vírus.

O mais assíduo frequentador das lives semanais de Bolsonaro no Facebook, e também um dos mais bravateiros, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, antecipou que pegaria as armas que guarda em casa se sua filha fosse presa por desrespeitar o isolamento:

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– Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e… Ia dar uma… Eu ia se… Eu ia morrer. Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer.

Bolsonaro não repreendeu nenhum ministro por seus comentários ou propostas. Exaltado, como se sentisse acuado junto com os filhos, emporcalhou a cena dizendo 37 palavrões (bosta, 7 vezes; porra, 8; variações de puta, 9; merda, 5; foder, 2; fodido e cacete, 1).

No que de fato interessa ao inquérito presidido por Celso de Mello, restou provado que Bolsonaro ameaçou, sim, intervir politicamente na Polícia Federal como havia dito o ex-ministro Sérgio Moro. E que alguns dos ministros ouvidos pela policia mentiram em seu socorro.

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O mais grave, a juntar-se ao rol dos crimes em que incorreu o presidente depois de empossado, foi a confissão feita por ele de que dispõe de um serviço particular de segurança formado por policiais da ativa e da reserva no Rio e em outros Estados. Haverá milicianos entre eles?

O vídeo é um retrato perfeito de um governo totalmente perdido em meio a uma pandemia que está longe de acabar e na iminência de ter que enfrentar a maior recessão econômica dos tempos recentes. De fato, um retrato perfeito de um desgoverno. Ou melhor: da falta de governo.

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