O que a cultura negra pode esperar do governo Bolsonaro
Vidas só importam sem adjetivação de cor
Em um ponto, pelo menos, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, pode ter acertado em cheio na nota que distribuiu, ontem à tarde, para explicar por que voltou a atacar a comunidade negra do Brasil. Foi quando escreveu a certa altura:
– [Reitero] que a Fundação, em sintonia com o Governo Federal, está sob um novo modelo de comando.
De fato, se o presidente Jair Bolsonaro não o demitir depois do que ele disse é porque Camargo está em sintonia fina com o governo. E sendo assim, terá vida longa o “novo modelo de comando” adotado por ele na Fundação. E o que disse Camargo de tão grave?
Em conversa com dois assessores em 30 de abril passado, ao tratar do desaparecimento de um celular corporativo que usava, Camargo sugeriu que o aparelho poderia ter sido roubado por um dos três diretores da Fundação recentemente demitidos por ele.
Então disse, segundo áudio da conversa obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo:
– Qualquer um deles pode ter feito isso. Alguém que quer me prejudicar, invadindo esse prédio aqui pra me espancar. Invadindo com a ajuda de funcionários daqui. O movimento negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita.
Em seguida, recomendou aos assessores que o ajudassem a promover retaliações contra funcionários de esquerda:
– Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar um esquerdista. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer.
Criticou Zumbi dos Palmares, o líder de uma revolta de negros escravos que dá nome à fundação. Referiu-se a Zumbi como “um filho da puta que escravizava pretos”. E anunciou que não haverá mais dinheiro para as religiões de matriz afro-brasileira
– Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo. (…) Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo.
Mãe Baiana é Adna dos Santos, uma das expoentes do candomblé no Distrito Federal. A Fundação Cultural Palmares, agora sob a direção de Camargo, é uma entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura desde quando foi criada em agosto de 1988.
No artigo 1º da lei que a instituiu à época do governo José Sarney, está dito que cabe à Fundação “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.
Carmargo usou o Twitter na última segunda-feira para reafirmar seu desejo de acabar com o Dia da Consciência Negra, celebrado aqui em 20 de novembro. E ameaçou bloquear nas redes sociais quem aderisse aos protestos que ocorrem nos Estados Unidos.
A morte do negro George Floyd pela polícia de Minneapolis deflagrou manifestações em mais de 140 cidades americanas e em várias partes do mundo sob o slogan “Black lives matter” (Vidas negras importam). Camargo advertiu no Twitter:
– Escreveu “Vidas negras importam” leva block automático! Vidas importam, sem adjetivação de cor, raça ou etnia.