Por João Bosco Rabello
A opção do governo Bolsonaro, em seus primeiros quatro meses, pelo enfrentamento ideológico comprometeu o ambiente positivo produzido pelo clima reformista da gestão Temer. A expectativa dos agentes politicos e econômicos era de continuidade imediata da reforma da Previdência, em primeiro lugar, e do compromisso com a pauta do ajuste fiscal.
Logo após a vitória eleitoral de Bolsonaro e, antes mesmo de sua posse, até entre candidatos derrotados o convencimento era o de que não haveria tempo a perder nos seis primeiros meses para algum êxito na recuperação econômica, sobre cuja prioridade havia consenso incomum.
Embora tenha enviado sua proposta de reforma – a Nova Previdência -, o presidente fez – e ainda faz – questão de manter distância política do tema, limitando-se a uma defesa protocolar de sua necessidade como fator de estímulo à economia. Mais que isso, aqui e ali, desdenha da meta fixada pela área econômica de uma poupança de 1 trilhão em prazo de dez anos.
A soma da demora em entrar no tema e a participação anêmica em sua defesa foi mais que suficiente para que a proposta ainda seja uma dúvida e sua meta original desdidratada em 400 bilhões de reais. Os mercados político e econômico já não têm dúvida de que ao presidente da República o assunto não parece tão caro.
Mas ao abdicar da articulação pela aprovação da reforma, Bolsonaro estimulou o Legislativo a exercer a máxima de que em política não existe vácuo. Passado o susto com o gesto presidencial de lhes transferir a responsabilidade pela aprovação da mãe das reformas, os parlamentares já estão plenamente à vontade para assumí-la.
E o fazem com a desenvoltura registrada pelo presidente da Comissão Especial que a examinará no seu mérito, deputado Marcelo Ramos (PR-AM): “Se ele (Bolsonaro) não falar até o final da votação, vai ajudar um bocado”, disse. Embora fosse uma reação pontual a uma fala presidencial, a frase escancara o bm estar com a autonomia dada pelo governo ao Legislativo.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dá sinais claros de que já não se sente desconfortável em ter sua interlocução com o governo restrita ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Parece até estimulado a assumir o protagonismo da condução da reforma da previdência que, mesmo impopular, nos tempos atuais aproxima o Legislativo de um tema de interesse do País e o distancia do crônico ambiente da relação fisiológica.
Embora o governo se empenhe tardiamente em criar uma distensão necessária e a Lava Jato ainda mantenha a expectativa de mais baixas no Legislativo, permanece como desdobramento previsível o gosto crescente -e já perceptível – do Legislativo pela autonomia política – algo que dificilmente perderá.
Poder, afinal, não se transfere e nem se devolve.
João Bosco Rabello é jornalista profissional, em Brasília, há 40 anos, e sócio-editor do site Capital Político (capitalpolitico.info )