O presidente Bolsonaro compartilhou e endossou texto postado nas redes sociais (sexta-feira, 16/5) que considera o Brasil um país ingovernável. A mensagem desfia um rosário de argumentos que remete o leitor às “forças terríveis” da carta-renúncia de Jânio Quadros (referidas, até hoje, como “forças ocultas”) ao pacto demoníaco que aprisiona o Brasil, desde o descobrimento, aos grilhões da miséria política.
Qualquer cidadão brasileiro tem o sagrado direito de concordar, apesar de sintomas de delírio paranoico, exceto o Presidente, eleito precisamente com a responsabilidade de governar e apontar rumos para a nação brasileira.
O “eu sou tudo contra o que está aí” é a retórica populista infalível do “anti” para sufragar proposta extremada que rechaça mecanismos de intermediação entre eleitor e governante. Elege, mas não permite governar. O “sistema” é um ente difuso que se antepõe ao bem e à felicidade geral. Somente, o grande líder escuta a voz do povo e é capaz de encarnar a libertação.
Ao assumir o discurso da ingovernabilidade, o presidente Bolsonaro faz duas apostas arriscadíssimas: acena com a auto exoneração, um vácuo incompatível com a natureza da política, e agrava o divisionismo da sociedade ao subentender a imposição de condições de governabilidade.
Não há viabilidade para imposições. O marco da ação política é o resiliente arcabouço da democracia brasileira que não permitirá aventura populista. Simplesmente porque governar não é duelar. Pelo contrário. Sem a dialética do contraditório como parte integrante dos consensos, não há política, não há democracia, e qualquer solução ocorrerá sob o pálio dos preceitos constitucionais que protegem os direitos fundamentais das pessoas e evitem o mal maior do desgoverno.
De fato, o poder político é o poder dos poderes; para alguns a política é a busca do poder e a história, o relato dessa busca. Daí o permanente risco: ninguém quer menos poder: todos querem mais. As leis e as instituições são o anteparo da desmedida e alicerces da governança balizada pela ciência, arte e ética do bem comum.
Nas últimas sete décadas, o povo brasileiro atravessou severos momentos de adversidades: recessão, superinflação, desemprego, instabilidade política e graves tensões sociais. Ao fim e ao cabo, prevaleceram as instituições, com virtudes e vícios, que permanecem vivas e atentas ao fenômeno atual: a clamor das ruas, a voz da cidadania ativa.
É este movimento que legitima o mais eficaz poder dos governantes: persuadir as pessoas a fazerem o que deveriam fazer sem ter que ser persuadidas.
Gustavo Krause é ex-minstro da Fazenda