Em fala recente a empresários na Federação do Comércio de São Paulo, o ex-ministro Delfim Netto fez um grave alerta sobre as pressões pela revisão do teto de gastos aprovado no governo Temer. Ele considera que a estabilidade do atual governo está ancorada exclusivamente na regra de 2016.
Seu eventual rompimento faria ruir toda a estrutura de apoio do mercado ao atual governo e representaria também o fim da política econômica do ministro Paulo Guedes. Segundo Delfim, no entanto, as pressões para alterar o teto aumentam e cabe ao Governo resistir para garantir a sua própria estabilidade.
O alerta ganha ressonância maior quando se identifica dentro do próprio governo correntes que defendem abertamente o fim do teto de gastos, como a que, militares à frente, tenta recriar a estratégia desenvolvimentista que caracterizou o governo Geisel, agora batizada de Pró-Brasil.
Aqui e ali o governo já produziu truques para contornar a regra do teto, mas nenhum foi tão ostensivo quanto o do estado de calamidade pública cogitado como forma de obter recursos para o Pró-Brasil, vetado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Créditos extraordinários bancariam obras e os gastos ficariam como restos a pagar, ou seja, como crédito para o exercício futuro.
Delfim fez referência também à excelência da equipe econômica, boa parte herdada do governo Temer, mas ela já não é a mesma. As três baixas recentes não foram razoavelmente explicadas, quando a motivação vocalizada pelos que saem é o “cansaço”. Mas as pressões a que se refere Delfim podem estar por trás especialmente de duas desistências.
A primeira baixa, do Secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida, foi dada como “programada” e, com isso, ficou estabelecido que nada há que se desconfiar e falar. Mas o perfil fiscalista rígido de Mansueto provavelmente sofre convulsões com esse tipo de raciocínio heterodoxo.
O segundo foi o diretor de Programas da Secretaria Especial de Fazenda Caio Megale, que seguiu o mesmo script, acrescido de saudades da família e da iniciativa privada. Por fim, e da mesma forma, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, pediu o boné, com declarações de guerra à burocracia.
Substitui-los não é o principal problema do ministro da Economia, Paulo Guedes, cuja falta de credibilidade no Congresso ficou patente na recente votação do Fundeb, quando o governo sofreu uma derrota acachapante.
Além do revés político para Bolsonaro, que pretendia subjugar Rodrigo Maia, o grande derrotado foi Guedes, que tentava morder uma fatia do Fundeb para seu programa Renda Brasil, depois de 18 meses de promessas vazias de envio das reformas tributária e administrativa do governo. Muitos parlamentares explicitaram ter votado com a imagem de Guedes nas retinas.
O ex-ministro Delfim Netto também acha que a vida de Guedes não está nada fácil. Apesar de reconhecer qualidades na equipe econômica, considera equívocos a reforma tributária vir antes da administrativa e o seu debate estar circunscrito a economistas, com exclusão dos tributaristas.
Ele acha que a reforma administrativa está atrasada e deve focar no principal entrave na busca de um Estado mais eficiente: o gasto corrente com pessoal. Citou que os burocratas tomaram o Estado e, sem precedência da reforma administrativa, qualquer outra é de difícil êxito.
Delfim tem sido um oráculo sobre a política econômica de outros governos. De maneira geral, quando suas declarações começam a aparecer, significa que ele ecoa uma insatisfação de importantes agentes do mercado financeiro.
Pode-se interpretar, portanto, que agentes econômicos começam a enxergar na insistência do governo em burlar o teto um movimento que poderia rachar a credibilidade da equipe econômica.
João Bosco Rabello. Jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública.