Ela estava nas nuvens. Os olhos verdes brilhavam como holofotes em noite sem lua. É dessas que labuta hoje para pagar o pão de amanhã. Sozinha, toca a vida, casa e filho adolescente, com o suor diário da vida de trabalhadora autônoma.
Agradecia a Deus que, pelo menos, mandou bênçãos para um departamento da sua vida – o amoroso. Contou: Namorava um soldado americano – lindo, muito bem de vida, separado, com dois filhos. Principalmente, muito apaixonado por ela. “Breve – coisa de dois ou três meses – tá vindo pra cá, pra recomeçar a vida. ” Com ela of course!
“Ele juntou uma boa grana pelo serviço no Iraque e quer abrir um negócio aqui”, dizia já se imaginando mulher de empresário sem mais sufoco com contas a pagar.
O romance nasceu no Facebook/Messenger e era alimentado por traduções pelo Google. Ela não fala inglês, ele não fala português. Nada grave, acreditava. “Um tá ensinando o outro. ”
Importante é o amor, imaginava na certeza certa da paixão.
Aos que queriam ver o príncipe, exibia duas fotos do Facebook – ele em uniforme de gala do exército americano e no mesmo traje abraçado com duas crianças – saudáveis e lindas. Se havia dúvidas sobre a informação tão reduzida, ela explicava: Ele trabalha com segurança. Não pode se expor.
O romance seguiu, ela em estado de graça, ele cada vez mais virtualmente presente – apaixonadíssimo. Google translation garantia a troca de juras de amor.
Dois meses assim, data marcada para o desembarque do soldado em baixa do exército e eis que ele liga desesperado de Londres – teve um problema sério no aeroporto. O dinheiro que, de lá, passaria para a conta dela – 500 mil dólares –, estava preso. Para resolver o imbróglio ele precisava de, no mínimo, 10 mil dólares. Assim rapidinho e na conta de um amigo inglês que quebraria o galho pra ele.
Como assim?
– Amado, 10 mil dólares aqui são mais de 40 mil reais. Nunca tive isso na vida…
O google devolve resposta rápida: Peça a algum amigo, pago em no máximo dois dias em dólar vivo.
– Que que é isso, amado? Sou gente pobre. Não tenho amigos pra emprestar 40 mil, não.
A negociação para a liberação do amado e de seus 500 mil US$ seguiu noite adentro, quando o valor para a soltura dele e de seus dólares foi diminuindo. De manhã, mil dólares já resolveriam. Nem isso a apaixonada tinha.
O amor, jurado eterno, acabou ali. As ligações diárias também. Mas a ficha só caiu quando a página do soldado sumiu do Facebook. Tivesse dinheiro e seria nova vítima do golpe mais corriqueiro dos praticados via redes sociais.
“Soldado ou ex-soldado americano, servindo no exterior ou grande empresário residente fora do seu país é KO, roubada, fria”, ensina uma frequentadora dos aplicativos internacionais de encontros. Conhecedora do golpe, tem o perfil e modos operandi dos golpistas.
Habitualmente qualificam-se como viúvos ou separados, às vezes, traídos pelo melhor amigo. Mas, deixam bem claro, são disponíveis para relações sérias, também pai amantíssimo de um ou dois filhos. São assíduos – até insistentes – nas trocas de mensagens e conversas telefônicas. Mencionam cansaço por muito trabalho na “empresa’, que vai muito bem, obrigada. E, um dia, garantirá futuro light em alguma praia paradisíaca.
Pronto. Está vendido o sonho do amor perfeito e surpreendente às incautas mundo afora. Um diplomata que atuou na embaixada brasileira no Egito, relata que um dos maiores problemas por lá era socorrer e repatriar as brasileiras vítimas do mesmo golpe made in árabe.
A coisa não alcança apenas mulheres simples, desinformadas interioranas. Antigo, conhecido das polícias e já muito noticiado, o conto do estrangeiro rico pode vir quadrilhas. Ou seja, muitas vezes, a desavisada acredita que está falando com um e, na verdade, fala com vários. Tipo, um cobre o outro, possibilitando manter assiduidade nas conversas.
– Já percebi diferença de voz e de sotaque em algumas conversas – relata a expert no modus operandi desses golpistas e agora também dedicada a fazê-los perder tempo. Arrasta o “namoro” até o momento em que eles pedem dinheiro. E aí dá xeque-mate. “Querido, não costumo comprar afetos”.
Pequena vingança pelas todas internacionalmente caídas no conto do soldado-empresário.
Tânia Fusco é jornalista