A entrevista do ex-juiz Sérgio Moro ao jornal britânico, Financial Times, pode até ter deixado lacunas nas entrelinhas (por lapso ou de propósito?), mas passa aviso explícito irrefutável: tirem o cavalo da chuva os que pensam, defendem ou atuam, agora abertamente – nos partidos, no judiciário, na imprensa, na administração pública e na gestão de empresas e corporações privadas – para retirar dos debates nacionais, o combate à corrupção e aos poderosos esquemas do crime organizado e das milícias que se expandem e voltam a atacar no País.
Pior ainda tentar abafar este assunto crucial, para tirar de foco e de cena – com golpes primários e manobras casuísticas, que apontam para o desastre – personagens essenciais. A começar pelo próprio Moro, pintado como vilão. Isso, desgraçadamente, é o que se tem visto e ouvido nesta temerária transição de julho para agosto. No Palácio do Planalto e em outros locais relevantes da Praça dos Três Poderes, em Brasília e nas hostes parlamentares dos notórios aliados do Centrão. Em pleno tempo da Covid-19, mas não se pensa, se faz, se fala ou se trata de outra coisa além da sucessão do mandatário da vez. Do mesmo “jeitinho (ou bem parecido) iniciado no governo tucano de Fernando Henrique, levado adiante pelos petistas Lula da Silva e Dilma Rousseff. E redundou nisso que temos agora.
Na conversa exclusiva com o FT – jornal sempre influente e ressonante -, Sérgio Moro evidencia que, mesmo precisando afrontar ataques cerrados ao tema de crucial relevância, dominante da campanha passada, o combate à corrupção é bandeira que ele segue considerando prioritária. E acusa como pesado golpe o estandarte ter sido roto e traído pelo governo de Jair Bolsonaro – “no qual fui usado por algum tempo como desculpa” – e deixa patente que o símbolo não ficará largado no chão. Se necessário, sugere, será ele próprio o condutor do estandarte, com lema de combate a corruptos, corruptores e ao crime organizado.
O ex-ministro também aponta para a aproximação de Bolsonaro com o Centrão, o bloco de partidos conhecidos por oferecer apoio em troca de cargos. “No começo, o governo parecia evitar esse tipo de prática, mas hoje em dia não tenho certeza”, esgrima o ex-juiz, que conhece a vida pregressa dessa turma como ninguém. Aliás, não é mais segredo – o Estadão deixou claro em reportagem na semana passada – que um dos motivos que levaram integrantes do Centrão a se aliarem a Bolsonaro é exatamente o medo de uma possível candidatura presidencial de Moro em 2022.
Tudo indica ser este o pesadelo de muita gente e dos portentosos interesses neste jogo de xadrez político. E tira o sono no Congresso, no Palácio do Planalto, no Supremo e na Procuradoria Geral da República, onde o PGR Augusto Aras, esta semana, avançou com todas as garras sobre a Lava Jato e os procuradores integrantes da força tarefa da mais ampla e relevante operação de combate a saqueadores do dinheiro público no País. Já o presidente do STF, Dias Tofolli, em debate com advogados, propôs ao Congresso aprovar casuística medida de “quarentena” de 8 anos, para que juiz e promotor possam disputar mandato eleitoral. Fica evidente o rosto do ex-juiz Sérgio Moro desenhado nesta manobra, “com tudo para dar bode”, como se diz no sertão do São Francisco. “Não logrará”, reagiu, curto e direto, o vice-presidente Hamilton Mourão, ao barro na parede jogado por Toffoli. E a motivação de Aras, o PGR?. Responda quem souber.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br