Jair Bolsonaro, com sua caneta cheia de tinta, sai do PSL e anuncia a criação de um novo partido, Aliança pelo Brasil, que ficará sob seu mando. Se arrumar 500 mil assinaturas e conseguir que o TSE aprove a nova sigla até maio de 2020, teremos a eleição para prefeitos e vereadores em outubro com sua participação ao lado de outras 30. O que é comum a essas entidades? A luta pelo poder sem verniz ideológico.
Lula da Silva, o maior líder da oposição, que disse sair da prisão “mais à esquerda”, estará também na luta, desfraldando a bandeira do socialismo. Na condição de condenado em 2ª instância, ele não poderá ser candidato, mas se o processo do tríplex for anulado, Lula adquire elegibilidade.
Situação e oposição, desde já, se preparam para o amanhã. De um lado, veremos o socialismo de José Dirceu pregando um Estado paquidérmico e sustação de privatização de estatais. De outro, a defesa de forças do mercado dando o tom da política. Já a social-democracia, habitat do tucanato, não deverá ter novos crentes.
O fato é que aqui e alhures emerge o fenômeno do embaciamento do jogo político, ou, como denomina Roger-Gérard Schwartzenberg, uma “uniformização no cinzento”. Os partidos se identificam com a política de resultados.
Assemelhados, se afastam do campo doutrinário, interessados apenas na luta do “poder pelo poder”. Balizam suas ações em questões pontuais, como carga de impostos, reformas (previdência, trabalho), projetos polêmicos e desvios de agentes públicos.
Ora, impõe-se acentuar o papel dos partidos em projetos de longo alcance. Qual deles pensa assim? Nenhum. O PT, maior partido de oposição, caminhou em direção ao centro, ocupando flancos da social-democracia. Os partidos da situação refugiam-se em um “centrão democrático”. Assim, os entes se reúnem nas antessalas do poder, onde se serve geleia insossa e inodora.
Mesmo nos EUA, onde os partidos Republicano e Democrata dominam a política desde 1852, abrigando a grande maioria do eleitorado, cresce a tendência para a pasteurização do discurso. Lá ainda se consegue enxergar que republicanos são mais fiéis aos princípios do nacionalismo, no moralismo e na religião, sustentando a base conservadora. Os democratas se posicionam mais na banda esquerda do Centrão, havendo até protagonistas com certo ar radical, como o senador Bernie Sanders, este que faz questão de avocar índole socialista.
Na Europa, os partidos social-democratas ganharam força em um primeiro ciclo e hoje tentam reconstruir suas identidades, sob a ascensão da direita. Na nossa AL, a instabilidade se generaliza. O Chile do liberal Piñera vê multidões nas ruas. No Uruguai, a esquerda deve ceder o poder à direita. A Argentina volta a desfraldar a bandeira kircnherista. Peru vive momento tormentoso. No Equador, a ciclotimia entre esquerda e direita também se instala. Na Bolívia, Evo renuncia sob pressão das Forças Armadas e suspeição de fraude eleitoral.
Aqui, a interrogação: para onde vamos? O vale-tudo é o jogo imposto pelo domínio da máquina e não por ideias. No deserto, só se vê areia. E animais invertebrados.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político