A eleição de Jair Bolsonaro escancarou uma virada cultural profunda que sacode os alicerces do jornalismo tradicional. Vivemos um momento disruptivo. A imprensa, no entanto, parece estar paralisada pela síndrome da negação. De costas para as mudanças que estão gritando na nossa frente, na queda da circulação, na diminuição das audiências, aferra-se a um passado que não voltará mais. Sinto, com inquietante angústia, que o tempo da autocrítica e da mudança estratégica propositiva da mídia se encurta de modo acelerado.
As redes sociais, por óbvio, tiveram um papel decisivo. Bolsonaro falou diretamente com o eleitorado. Rompeu, como nunca antes se tinha visto, a intermediação das empresas de comunicação. E a coisa está pegando. Mas não cola por acaso. O fenômeno de desintermediação teve, creio, precedentes que poderiam ter sido evitados não fosse o distanciamento da mídia dos seus leitores, sua incapacidade de entender o alcance das novas formas de consumo digital da informação e, em alguns casos, sua falta de isenção informativa e certa dose de intolerância ideológica.
Escorregamos na largada da cobertura eleitoral. Assumimos, sem senso crítico, a estratégia petista de que Lula era candidato à presidência da República em 2018. Não apenas isso, a mídia, contra o sentimento da maioria da população, garantia que o ex-presidente, cumprindo pena por corrupção e na contramão da Lei da Ficha Limpa, era favorito disparado para ganhar. Entramos de cabeça numa hipótese muito pouco provável. Nossas manchetes, apoiadas na abstração dos institutos de pesquisa, asseguravam que Lula era imbatível. Em nenhum momento desmontamos a fabula petista.
Quando o próprio Lula, finalmente, anunciou que não era candidato, e os institutos mudaram o foco, entramos de cheio na segunda fase da estratégia petista: Haddad era a bola da vez. O poder eleitoral de Lula, transferindo milhões de votos de sua cela em Curitiba, elegeria o poste. Mas não paramos aí. Entramos, mais uma vez, na roubada dos institutos: Bolsonaro perderia de “todos os outros candidatos” no segundo turno, em “todas as pesquisas”. Lembram disso? Pois é. Deu-se o exato contrário. Perigosos desvios de rota levaram a mídia a um porto inseguro.
A verdade, limpa e pura, é que, frequentemente, a população tem valores opostos aos nossos. É, por exemplo, a favor da polícia, que a imprensa considera inimiga dos pobres, e contra os bandidos, que os jornalistas consideram vítimas da injustiça social.
A internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das comunicações mudaram a política e mudarão o jornalismo. Queiramos ou não.
É hora de dinamitar antigos processos e modelos mentais ideológicos. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa. A todos, feliz Natal!
Jornalista. E-mail: difranco@ise.org.br