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Por Coluna
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Imperialismo High-Tech (por Marcos Magalhães)

“Vamos derrubar quem quisermos, lide com isso”

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 30 jul 2020, 18h47 - Publicado em 29 jul 2020, 10h00

Muitas palavras já foram escritas para definir o megaempresário Elon Musk, cujos negócios vão de carros elétricos e trens ultrarrápidos a viagens espaciais. Ele precisou de apenas nove para definir a sua visão de mundo: “We will coup whoever we want! Deal with it”. Alguma coisa como “vamos derrubar quem quisermos, lide com isso”, em tradução livre.

Foi sua maneira de responder, no Twitter, a uma crítica à suposta participação norte-americana no movimento que levou à queda do então presidente Evo Morales, na Bolívia, em novembro do ano passado. Segundo o autor da crítica, o golpe teria como objetivo garantir o acesso do empresário às reservas de lítio no país vizinho.

A Tesla, que integra o império empresarial de Musk, fabrica os mais lindos e desejados carros elétricos dos Estados Unidos. Os carros fazem parte dos sonhos de consumo de quem tem uma boa conta no banco e preocupações ambientais.

O que poderia haver de mais moderno? Além de atraírem olhares por onde passam, os veículos não produzem ruído nem emitem gás carbônico. Garantem um selo de ambientalista consciente a quem se senta ao volante.

Para colocar os carros elétricos nas ruas, porém, os fabricantes precisam ter acesso a minerais como o lítio – e em grande escala. Essa dependência já levou alguns críticos a estabelecer um paralelo entre a atual dependência por petróleo e a futura dependência por lítio. A relação não é tão direta, mas aponta para um novo eixo geopolítico.

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América do Sul

A China tem grandes reservas, embora ainda importe muito lítio da Austrália para alimentar as suas próprias fábricas de carros elétricos e outros produtos industriais de alta tecnologia. Os interesses estratégicos dessa indústria, porém, tendem a se deslocar nos próximos anos do Pacífico para a América do Sul, especialmente para o trio Argentina-Bolívia-Chile.

O Chile é atualmente o segundo maior produtor, e suas reservas no deserto de Atacama são apontadas como as maiores do mundo. A Argentina ocupa a posição de terceiro maior produtor, enquanto suas reservas estariam na quinta posição mundial.

E a Bolívia? Ali podem estar jazidas de lítio ainda maiores, calculadas hoje em nove milhões de toneladas, mas que podem vir a alcançar 21 milhões segundo informa a publicação Foreign Policy, baseada em informações a serem divulgadas pelo U.S. Geological Survey.

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As jazidas estão localizadas no Salar de Uyuni, até hoje uma grande atração turística, a 3600 metros de altitude. Sua exploração poderia ajudar o governo boliviano a retirar milhões de pessoas da pobreza. Assim como atrair a cobiça de grandes empresas mundiais, como a Tesla de Elon Musk.

Acusações

Logo depois da provocação feita pelo empresário pelo Twitter, o ex-presidente Evo Morales apressou-se a usar o fato para fortalecer seu argumento de que teria sido vítima de um golpe de Estado, promovido por interesses econômicos. “Outra prova a mais de que o golpe foi pelo lítio boliviano”, escreveu Morales nas redes sociais.

Musk logo respondeu que compra lítio da Austrália, e não da Bolívia. Nem poderia. A produção comercial boliviana está apenas começando, com a ajuda de investimentos chineses. Na verdade, o projeto do governo anterior era o de fabricar baterias para carros elétricos ali mesmo, em solo boliviano, e não apenas exportar o mineral.

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Morales indicava ser menos amigável aos interesses norte-americanos que Chile e Argentina. Pretendia usar o lítio como um passaporte para tirar seu país da condição de um dos mais pobres do mundo.

Por tudo isso, a sua renúncia em novembro, após forte pressão das Forças Armadas, fortaleceu a hipótese de um golpe motivado pelo interesse em minério. Um golpe que seria como um neto do que derrubou Salvador Allende, em 1973, no Chile que então era estratégico pela produção de cobre – assim como será pela de lítio.

Quarto mandato

Em seu recente artigo para a Foreign Policy, “O Lítio da Bolívia não é o novo petróleo”, o especialista em Geoeconomia Keith Johnson e o editor James Palmer refutam o argumento de que a queda de Morales estaria ligada a interesses estrangeiros contrariados.

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Segundo os articulistas, o ex-presidente boliviano assinou contratos no valor de US$ 3 bilhões para a exploração de lítio com uma empresa da China e outra da Alemanha. Sua queda ocorreu semanas depois do cancelamento do contrato com a empresa alemã.

Ele estaria às voltas, nesse período, exatamente com um protesto de habitantes da região de Potosí que não se sentiam convencidos dos benefícios que poderiam vir a ter com o investimento alemão. Para os autores, a atuação de mineradoras chinesas na Mongólia “tem reputação tão pobre como a de multinacionais ocidentais no respeito às necessidades locais”.

Por sua vez, Morales admitiu ao jornal alemão Zeit que errou ao se candidatar a um quarto mandato consecutivo, apesar de uma decisão em contrário do Tribunal Constitucional da Bolívia. Mas contestou as acusações de fraude na sua eleição. As novas eleições no país acabam de ser adiadas mais uma vez, desta vez para 18 de outubro.

Ainda é cedo para dizer como e por quem serão exploradas as jazidas de “ouro branco”, nos salares brancos da Bolívia, cuja beleza atrai visitantes de todo o mundo e onde um dia houve um mar. Os sais de lítio seriam remanescentes dos tempos em que a região era um grande reservatório de água.

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As nove palavras de Elon Musk, porém, indicam que a exploração do mineral que alimentará as baterias dos carros do século 21 precisa ser acompanhada de práticas igualmente contemporâneas.

Não cabe neste novo século o mesmo comportamento intervencionista que grandes países ocidentais adotaram no passado para exploração mineral. Nem pode ser aceita a mineração que não leva em conta o bem-estar das comunidades locais.

O argumento vale para a exploração mineral em terras indígenas, que o presidente Jair Bolsonaro quer ver regulamentada pelo Congresso Nacional.

 

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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