Existe uma dicotomia na Argentina. Se, por um lado, é um país orgulhoso de ter sido fundado e desenvolvido também graças a europeus, por outro cultiva uma tensão com o fluxo de imigrantes latino americanos. Eles chegaram ao país nas últimas décadas em busca de educação e saúde de qualidade, na expectativa de melhoria de vida até então aparentemente mais tangível do que em seus países de origem.
Foi nessa onda que milhares de bolivianos, paraguaios, peruanos, colombianos e brasileiros chegaram ao país. Agora, é a vez dos venezuelanos, empurrados pela crise gerada pelo governo Maduro.
O discurso humanitário do Governo é o mesmo do Brasil. Os venezuelanos são bem-vindos pois repudia-se veemente a crise humanitária no país vizinho. A realidade, no entanto, pode ficar complicada.
Um deputado do partido do presidente Macri tenta aprovar uma lei que restringiria o acesso de estrangeiros não residentes à saúde e à educação, até o presente momento universal e gratuita. Essa limitação estaria vinculada à lei de reciprocidade, ou seja, os estrangeiros de países onde os argentinos recebem tratamento de saúde gratuito receberiam a mesma atenção na Argentina. Em caso contrário, não teriam acesso.
O problema é que esses movimentos de restrição despertam velhos fantasmas de xenofobia no país. Dois polos de posições opostas se formaram nas redes sociais.
O governo já vinha dando sinais de que ia apertar neste quesito. No começo do ano passado, Macri, em um discurso a la Trump, claramente dirigido aos imigrantes dos países limítrofes, prometeu “não deixar que os delinquentes de outros países cometam seus crimes na Argentina”.
A questão foi suscitada no momento em que o país debate outros assuntos polêmicos, como a legalização do aborto. O surgimento de novo tema, que divide a opinião pública, não é coincidência. A política é um jogo de cortinas, uma encobrindo as outras.
Embora muitos argentinos custem a admitir, a tensão migratória está prestes a explodir. A piada interna de uma suposta manchete de um jornal que dizia “Morreram 10 pessoas e 2 bolivianos” é prova antiga disso.
E o governo parece estar brincando equivocadamente. Em um continente com um bloco econômico (Mercosul) frágil, a situação dos imigrantes pode se tornar mais um entrave à integração. A discussão sobre imigrantes, que parecia um problema europeu ou norte-americano, também agora assola o sul.
Muitos argentinos se orgulhavam (merecidamente) de suas leis migratórias. Difícil imaginar que a imigração seja um problema relevante em si. Parece mais ser a solução momentânea para encobrir promessas feitas durante campanha eleitoral não realizadas pelo atual Governo .
Gabriela G. Antunes é jornalista. Morou nos EUA e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. Escreve aqui todos os sábados