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Por Coluna
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Francisco, Vinícius e Lennon (por Marcos Magalhães)

Quando o Papa falou ao Congresso dos Estados Unidos

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 18 nov 2020, 19h55 - Publicado em 13 out 2020, 13h00

Em seu recente documentário sobre o Papa Francisco, que chegou às telas de televisão no meio da quarentena, o cineasta alemão Wim Wenders narra o inédito discurso de um líder religioso católico diante de uma sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos.

Após chegar ao Capitólio a bordo de um pequeno Fiat, que a televisão americana comparou ao carro de Mr. Bean, o Papa levou parlamentares às lágrimas ao falar de paz, tolerância e solidariedade.

“Devemos estar atentos a todos os tipos de fundamentalismo”, recomendou Francisco. “E há outra tentação contra a qual devemos nos armar: o reducionismo simplista que só vê o bem e o mal, ou corretos e pecadores. O mundo contemporâneo, com suas feridas abertas que afetam tantos irmãos e irmãs, exige que confrontemos todas as formas de polarização que pretendem nos dividir entre esses dois campos”.

Essas palavras foram pronunciadas há cinco anos. Ainda não havia tomado posse, naquele mesmo plenário, o presidente Donald Trump, que agora busca sua reeleição. Ainda não havia se espalhado de forma tão intensa a polarização que divide de forma talvez inédita a sociedade americana. Ainda não havia milícias prontas para sequestrar a governadora do Michigan ou para prejudicar as eleições marcadas para novembro.

Quando o Papa falou ao Congresso dos Estados Unidos, também não eram ainda tão preocupantes os sinais de tensão política internacional, capazes de ressuscitar temas como a Guerra Fria – agora contra outro oponente – e de motivar debates sobre a possibilidade de conflitos em grande escala no mundo real.

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Como lembra Wim Wenders no filme, o atual líder católico é o primeiro a tomar o nome de São Francisco de Assis, o herdeiro de um rico comerciante italiano que abriu mão da riqueza e foi capaz de gestos como ir ao campo de batalha das Cruzadas, há 800 anos, para tentar convencer cristãos e muçulmanos a buscar a paz.

Todos Irmãos

Pois Francisco acaba de atualizar a mensagem do homem que o inspirou logo após ser escolhido para liderar a Igreja. Na encíclica Fratelli Tutti, ele condena o individualismo, a desigualdade, o populismo, o endeusamento do mercado e o preconceito contra os imigrantes. E propõe antídotos como fraternidade, tolerância e inclusão.

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”, escreveu Francisco, ao buscar inspiração em Vinicius de Morais, o poeta do amor, o “poetinha”. As críticas foram imediatas. O Samba da Benção, ressaltaram jornais brasileiros, está repleto de referências ao candomblé, além de diversos músicos brasileiros admirados pelo poeta.

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Ficou meio esquecido pelos críticos outro traço ecumênico da nova encíclica: a revelação, pelo Papa, do diálogo que manteve com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, líder sunita egípcio e reitor da universidade Al-Azhar, no Cairo. Os líderes de duas entre as maiores religiões monoteístas do mundo, segundo relato contido na encíclica, apostaram em uma aproximação como poucos líderes no passado terão ensaiado.

“Lembramos que o relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas”, narrou Francisco.

“O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas de suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural”, prosseguiu.

Cinismo

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Logo no início do texto, o Papa recorda que o mundo parecia haver aprendido, nas últimas décadas, com tantas guerras e fracassos. Citou como exemplo o “sonho de uma Europa unida” e o “anseio de uma integração latino-americana”. Lamentou, porém, os “sinais de regressão” que se manifestam sob a forma de “nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos”.

Ele criticou também a ação de grupos políticos que semeiam o desânimo e despertam a desconfiança, com o objetivo de promover a polarização. Na luta de interesses políticos, ponderou, “vencer se torna sinônimo de destruir”, e a busca de um projeto com grandes objetivos de desenvolvimento de toda a humanidade “soa como um delírio”.

“No mundo atual, esmorecem os sentimentos de pertencimento à mesma humanidade, e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia de outros tempos”, registra Francisco.

“Vemos como reina uma indiferença acomodada, fria e globalizada, filha de uma profunda desilusão que se esconde por detrás dessa ilusão enganadora: considerar que podemos ser onipotentes e esquecer que nos encontramos todos no mesmo barco. Essa desilusão, que deixa para trás os grandes valores fraternos, conduz a uma espécie de cinismo”, adverte.

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A retomada desses valores fraternos, segundo o Papa, passa por um mandamento: “ninguém pode ser excluído”. O desenvolvimento, a seu ver, não deve orientar-se para a “acumulação sempre maior de poucos”. E o direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres, nem acima do respeito ao meio ambiente.

Universal

Em aparente resposta à onda de nacionalismo que acompanha muitos movimentos populistas de direita no mundo, a encíclica investe contra “narcisismos bairristas” e “espíritos fechados”, que preferem criar muralhas defensivas para sua salvaguarda. “Mas não é possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao universal”, propõe o texto.

E como se deve cuidar daquilo que é universal, na visão do Papa? Para começar, sugere, deveríamos contar com organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da miséria e a “justa defesa” dos direitos humanos fundamentais.

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Para isso, em sua opinião, seria necessária uma reforma da Organização das Nações Unidas e da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível a concretização do conceito de “família de nações”.

“Isto pressupõe, sem dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas”, escreveu.

O desenho desse novo mundo traz uma leve recordação da letra de uma canção lançada em 1971 por um grande músico e poeta que completaria 80 anos neste mês de outubro. É claro, Francisco não propõe um mundo sem países ou religiões, nem sugere que se esqueça do paraíso. Mas ele poderia compartilhar com John Lennon o sonho de um mundo em paz, livre da ganância e da fome. “Uma irmandade de homens”, como imaginou Lennon.

Marcos Magalhães escreve no Capital Político 

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