Francisco falou (por Gustavo Krause)
Cada palavra se veste de simplicidade, humildade e tem a força de uma inspiração divina
A folha em branco é uma imagem assustadora: é um silêncio de fora que provoca o silêncio de dentro. Cadê escrever? Senti a alma aprisionada. E assunto é o que não falta no drama do cotidiano entrecortado pela tragédia global que se abateu sobre a humanidade.
Percebi que foram se repetindo as formas de enfrentar os riscos, entre eles, o castigo da solitária, isolamento do corpo e dos afetos: uma reclusão tristemente seletiva porque protegia uns e prejudicava a maioria de pobres e desvalidos, apartados pelo muro da miséria humana.
De repente, fui salvo pela leitura, o remédio mais eficaz e saudável para a solidão e o aperto no peito do que a química dos ansiolíticos e antidepressivos. Que leitura! Cada palavra, cada frase, uma brisa suave aliviando a sensação abrasadora do castigo; cada conceito uma lição de sabedoria; o conjunto da obra um chamamento à solidariedade de modo que cada momento de aflição faça brotar o que há de melhor em todos nós.
Esta providencial leitura resultou de uma obra magnífica do Papa Francisco, melhor dizendo, de Francisco, o Humano: Vamos Sonhar Juntos – O Caminho Para Um Futuro Melhor. Por que o humano? Porque não se trata de Encíclica, documento Pontifício e institucional, a Carta Circular aos membros da igreja e seus fiéis; trata-se de um livro escrito sob o impacto de uma epifania, da profunda compreensão e da essência de nossa passagem pela Terra.
Cada palavra se veste de simplicidade, humildade e tem a força de uma inspiração divina. Para quem conhece a encíclica Laudato si que proclama e abençoa a unidade Homem/Natureza não se surpreende com o Franciscano.
Francisco propõe a forma de caminhar: “entre o primeiro passo, que é o de aproximar e de nos deixarmos impressionar, e o terceiro passo, que é o de agir concretamente para curar e reparar, há um segundo passo intermediário essencial: o de discernir e escolher”.
Francisco ensina que na época acelerada do coronavírus “abriu-se um vão entre realidade e desafios[…] esse vão se torna um espaço para refletir, questionar e dialogar”.
“E agora o que devo fazer?” Francisco se impõe dois propósitos: descentrar e transcender. “É tempo de peregrinação […] para sair do labirinto, é preciso deixar a cultura da selfie e ir ao encontro dos outros: olhar nos olhos, os rostos, as mãos e as necessidades daqueles que nos rodeiam, e assim também descobrir nosso rosto, nossas mãos cheias de possibilidades”.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda no governo Itamar