A identidade argentina tem umas vertentes que, olhando de fora, são difíceis de se enxergar. Foi no começo da década que eu entrei no tema “Malvinas”. Mesmo com cientista político era quase impossível ter uma discussão aberta sobre o assunto. Era um desafio entender como essas pintinhas no mapa, de clima inóspito até para um pinguim, poderiam despertar tanta paixão. A pergunta a um argentino se ele pudesse escolher entre ganhar a Copa do Mundo ou ter de volta as Ilhas Malvinas certamente deixaria muitos encurralados.
As ilhas têm sido disputadas internacionalmente e foram tomadas pelos ingleses, que deram um “fim” ao sonho argentino, por assim dizer, em 1982, na Guerra das Malvinas, quando uma ditatura decrépita mandou dezenas de jovens argentinos para sua tumba gelada. Com uma impressionante assimetria militar, é difícil entender como eles se lançaram ao mar para tentar recuperar das mãos do Império Britânico essas diminutas ilhas.
Em 2018 ainda existem nas ruas de Buenos Aires pichações “as Malvinas são argentinas”. Perdi as contas dos discursos da então presidente Cristina Kirchner nas reuniões da ONU, braços enriste reclamando as ilhas no plenário, mostrando que o tema era altamente prioritário. Era também o caminho mais curto às pretensões eleitorais de alguém que alveja o coração dos argentinos.
Desde o ano passado, “Ilhas Malvinas” começaram a circular de novo com mais frequência nos jornais. Quando o submarino ARA SAN JUAN desapareceu, o governo foi o primeiro a colocar panos quentes ao dizer que o submarino não tinha passado nem perto das Ilhas.
Adeptos a teorias da conspiração começavam a salivar com a possibilidade de que a embarcação tivesse sido alvejada por um torpedo inglês.
O submarino de-sa-pa-re-ceu. A Marinha argentina se embolou várias vezes com a imprensa e com os familiares dos 44 tripulantes sobre o que sabia do seu paradeiro. Deu voltas e voltas e trabalha até hoje com a explicação de que a embarcação sofreu uma explosão por um defeito interno.
Mas, nesta semana, os fantasmas das Malvinas parecem ter saído do armário. Jornais locais juravam ter documentos que colocavam o submarino em uma posição de espionagem nas aforas das ilhas, pouco antes de desaparecer.
O governo desmentiu e chegou a afirmar que o documento que coloca a embarcação em uma latitude e longitude suspeita era fruto de um erro grotesco.
Mas era tarde para guardar rapidamente no armário o tema que, como alguém me explicou uma vez, é uma espécie “de amputação no nacionalismo argentino”.
Ao que tudo indica, de tempos em tempos, os fantasmas das Malvinas saem para dar uma volta por Buenos Aires.
Gabriela G. Antunes é jornalista. Morou nos EUA e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. Escreve aqui todos os sábados