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Esquerda renovada vence na Bolívia (por Marcos Magalhães)

Bolsonaro tem razões, porém, para preocupar-se com a sua solidão

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 18 nov 2020, 19h47 - Publicado em 21 out 2020, 13h00

Quando soube que os argentinos haviam elegido Alberto Fernández presidente, no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro se apressou a dizer que os eleitores do país vizinho haviam feito uma má escolha. Ele deve ter pensado o mesmo ao receber notícias da Bolívia no domingo. Mas a eleição em primeiro turno de Luís Arce pode ser uma boa notícia para a estabilidade da América do Sul.

Arce recebeu 52% dos votos, contra 32% do ex-presidente Carlos Mesa, segundo pesquisas de boca de urna. Os vinte pontos percentuais de diferença foram suficientes para que a presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, felicitasse ainda na madrugada de segunda-feira o candidato eleito. Mesa também reconheceu a derrota. “O resultado é muito contundente e muito claro”, admitiu.

Esta é a primeira parte da boa notícia. Como a apuração dos resultados ainda vai demorar dois ou três dias, havia o risco de o país ingressar em um novo período de instabilidade. O consenso em torno da vitória do candidato do Movimento ao Socialismo (MAS) abre caminho a uma transição tranquila de poder.

Também contribui para a estabilidade o fim de um período de exceção que se seguiu à queda de Evo Morales, no ano passado. Enquanto o ex-presidente seguia politicamente ativo em seu exílio em Buenos Aires, a presidente interina adiou por duas vezes a realização das eleições para a escolha de seu sucessor, sob o argumento de riscos de contágio pelo corona vírus.

Os movimentos de Áñez forneceram mais argumentos aos que a acusavam de haver participado de um golpe de Estado. Mas aqui cabe lembrar que a democracia sofreu arranhões tanto por parte da direita como da esquerda.

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Se a direita trabalhou para derrubar Morales, o próprio ex-presidente já admitiu haver errado ao concorrer pela quarta vez ao cargo, depois que um plebiscito havia vetado essa possibilidade.

Pragmático

Uma vez superado esse capítulo, o MAS volta ao poder em La Paz. Mas sem o tom personalista que marcou as gestões de Evo Morales. Quem assume o governo é o economista responsável pelos bons resultados obtidos durante o período em que seu partido esteve no governo. Um homem de esquerda, com mestrado no Reino Unido, que já deu aulas em Harvard.

Durante o período em que Arce comandou a economia boliviana, o país obteve taxas de crescimento de aproximadamente 5% ao ano e conseguiu reduzir pela metade os índices de pobreza, sem abrir mão da estabilidade.

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Ao anunciar a segunda etapa de seu plano de governo, em setembro, o economista voltou a comprometer-se com uma “gestão fiscal responsável”. Ele recordou também que, durante seis anos, a Bolívia chegou a obter superávit nas contas públicas.

No mesmo encontro, ele prometeu promover a industrialização de seu país, dentro de uma política de substituição de importações e de estímulo ao mercado interno. E anunciou um programa para a produção de um óleo diesel “ecológico”, a partir da reciclagem de óleos usados e de gorduras animais.

Lítio

A promessa mais ousada foi a de promover a industrialização, na própria Bolívia, do lítio extraído do subsolo do país. O mineral é considerado estratégico neste início de século 21, por ser usado na fabricação de baterias para carros elétricos e de equipamentos eletrônicos.

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“O único partido político que garante que os recursos naturais vão permanecer nas mãos dos bolivianos é o MAS”, disse Arce durante a reunião em que apresentou suas propostas, sob intensos aplausos de seus correligionários. “Não vamos deixar que nenhuma empresa Tesla ou qualquer outra venha a privatizar nossos recursos”, prometeu.

Para o presidente eleito, a utilização “soberana” das jazidas de lítio abre um “novo potencial de industrialização do país”. Caso tenha sucesso, ele poderá levar adiante com mais facilidade seu programa de redução da pobreza nesse país de 10 milhões de habitantes.

Preocupação

A campanha eleitoral na Bolívia foi acompanhada com preocupação pelo governo brasileiro. No início do mês, Bolsonaro já havia criticado em suas redes sociais a volta da “esquerdalha” no poder na Argentina. Uma vitória do partido de Evo Morales seria mais um passo, em sua visão, para a reconstrução da hegemonia da esquerda na América do Sul.

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As condições de hoje, porém, são bem diferentes. O único governo remanescente da onda rosa que se espalhou pelo subcontinente no início do século é o da Venezuela. Mesmo assim, em condições bastante precárias, tanto econômicas como sociais.

A Argentina passou pelo conservador governo Macri e voltou a optar pelos peronistas. Mas Fernández se define como um social-democrata e tem adotado um tom mais moderado, embora tenha na vice-presidência Cristina Kirchner. O Equador também se afastou da retórica radical que marcou a gestão de Rafael Correa.

Mesmo com a anunciada vitória de Arce, portanto, seria difícil identificar – como parecem fazer os aliados de Bolsonaro – a recriação de um grande arco de esquerda em torno do Brasil. E os novos governos de esquerda da região estão mais interessados em superar a pandemia e a crise econômica do que em formar uma nova frente política.

Poucos amigos

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Bolsonaro tem razões, porém, para preocupar-se com a sua solidão. Mesmo governos considerados de centro-direita, como os de Uruguai e Chile, já marcaram suas diferenças em relação ao comportamento adotado desde a posse pelo presidente brasileiro.

Lacalle Pou apresenta-se como um liberal e, desde a campanha eleitoral, evitou comparações com seu colega brasileiro. O chileno Sebastián Piñera foi obrigado a discordar publicamente de elogios que Bolsonaro havia feito ao ditador Augusto Pinochet.

Agora o governo brasileiro precisará definir como serão suas relações com o novo presidente da Bolívia. Caso opte por repetir com Arce as críticas feitas há um ano a Fernández, Bolsonaro vai aprofundar seu isolamento na região.

Além de erodir um pouco mais o capital político que o Brasil havia acumulado nas relações com os países vizinhos.

 

 

Marcos Magalhães escreve no Capital Político. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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