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Por Coluna
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Entre sonhos e desalentos

AMARGO EXÍLIO

Por José Paulo Cavalcanti Filho
Atualizado em 30 jul 2020, 19h15 - Publicado em 13 dez 2019, 13h00

Na última coluna, falei de Paulo Freire e Josué de Castro. Para os que não a leram, segue:

Exílios podem ser voluntários. Como o de Fernando Pessoa, exilado nele mesmo. “Tenho saudades de mim”, disse em Carta do heterônimo Henri Moore. Outros, violência pura.  “O pão amargo do exílio”, na definição de Shakespeare (em Ricardo II). Lembro três casos. Dois no passado.

Washington, julho de 1969. Um grupo de latino-americanos, que estudavam nos Estados Unidos, foi conversar com Paulo Freire. Autor da Pedagogia do Oprimido, doutor Honoris Causa em 35 universidades estrangeiras e exilado. No seu modesto apartamento, recebeu todos com um sorriso largo. E ficou preocupado quando lhe dissemos que a Ditadura estava ensinando Moral e Cívica (EPB), nas escolas. Para ele, educação era tudo. E, se o governo estava cuidando disso, iria durar bem mais do que esperávamos. Estava certo.

Paris, primavera de 1973. Josué de Castro, autor de Geografia da Fome, Presidente do Conselho da FAO e embaixador brasileiro da ONU, era outro exilado. Jantar no seu apartamento, às margens do Sena. Entre os talheres de sobremesa, 12 comprimidos. Foi fácil contar. Que era um comprimido e um gole d’água. Ritmadamente. Numa coreografia lenta, sem sentido e triste. Perguntei: “Por que isso?, dr. Josué. O senhor está tão bem”. “Estou não, amigo. Estou morrendo”. “De que?”. “De saudade”. Três meses depois (em 24/9), o exílio era só aquela saudade pressentida. Traduzida num adeus.

O terceiro exílio mora no presente. Vivemos um momento crítico para a educação brasileira. No exame PISA (da OCDE), correspondente a 2018 (agora divulgado), andamos muito mal em leitura (57º lugar), ciências (66º) e matemática (70º).  Claro que é culpa do passado. Mas precisamos avançar, para reverter esse quadro. Sem preconceitos. E o primeiro gesto do Ministério da Educação foi banir Paulo Freire de seus registros. A Plataforma Freire, que reúne informações sobre professores do ensino básico, agora se chama Plataforma Capes de Educação Básica. A explicação técnica é que foi ampliada sua abrangência. Nada contra. Mas não custaria manter o nome. São pequenas coisas que machucam. Sem contar que essa troca tem uma dimensão simbólica. Porque, e seria bom que alguém informasse o Ministro Weintraub, por disposição expressa da Lei 12.612 (de 13/4/2012), Paulo Freire é o Patrono da Educação Brasileira. Os dois primeiros exílios foram trágicos. Esse novo é um mau presságio.

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Depois, choveram mensagens. Seguem umas poucas. Sem identificar autores, já que os comentários foram feitos sob reserva. A favor: “Exilar Paulo Freire e Josué de Castro foi uma das merdas que a Ditadura nos fez”. “Como ex-exilada e devota de Paulo Freire, acabo de ler seu texto com um nó na garganta”. “O professor Paulo Freire merece essa tua coluna”. “Se o método ajudou a alfabetizar 100 adultos em 43 dias, ele funcionou”. “No RGN, em 30 horas, foram alfabetizados 300 adultos. Aula iniciada com 3 desenhos rabiscados: um homem, uma casa e um porco. Quem pode construir uma casa? Quem cria o porco? Quem fez a casa? Quem constrói é um artista? Ao sair da aula, um velhinho disse Eu também sou artista”.

Contra: “Paulo Freire é o patrono do fracasso de um modelo de educação adotado pelos governos esquerdistas”. “O indigitado Paulo Freire é o típico intelectual de esquerda, sempre comprometido com os nossos oprimidos. Todo mundo deve um trocado a esses pobres miseráveis”. “Se precisar avançar para reverter esse quadro, sem preconceitos, então é urgente quebrar o monopólio da esquerda na educação Brasileira. E isso inclui simbolismos como a remoção de Paulo Freire”. “O nome da plataforma era uma homenagem. Mas como homenagear alguém que criou algo que não deu bom resultado?” “No caso de Paulo Freire, o problema não são símbolos. Não creio que se construa boa obra sobre uma simbologia equivocada”.

Com observações eruditas: “O método Paulo Freire foi usado nos anos 1960. Na Ditadura, com o MOBRAL. Depois, Montessori e Piaget”. “San Martin, libertador da Argentina, faleceu em seu exílio da França. Bolívar, libertador da Venezuela, Colômbia, Peru e Equador, faleceu a caminho do exílio. O´Higgins, libertador do Chile, faleceu exilado no Peru. Artigas, libertador do Uruguai, faleceu no exílio do Paraguai. Sucre, libertador da Bolívia, foi assassinado. Todos pelas mãos dos seus libertados. No Brasil, porém, Pedro I abdicou, em favor do seu filho, para voltar a Portugal e defender os direitos da sua filha Dona Maria II àquele trono”. “A história é a mestra da vida. Quem não conhece o passado não tem condições de cuidar do futuro”.

E observações interessantes: “Eu ensinei no governo Figueiredo e a escola era a mesma bosta de hoje”. “Essa ação do ministro é o suprassumo da tolice”. “Pode mudar de Elevado Presidente Costa e Silva para Elevado Presidente João Goulart.  Mas vá tentar tirar o nome de Marisa Letícia de algum viaduto?”. “Homenagens nem sempre são justas. Duque de Caxias é herói aqui. Fale dele no Paraguai? Lampião ganhou estátua em Serra Talhada, mas era um bandido desumano”. “Com Paulo Freire e Josué de Castro, ou sem eles, nada a perder, num país exilado de si mesmo”. “Na Espanha, este ano, se deram ao trabalho de desenterrar o Franco, que foi “exilado” postumamente em um cemitério de povoado”. “Você bate leve demais nesse governo”. “Entristece saber da covardia daqueles que jamais quiseram, nestes 519 anos de rapina e saque do nosso território, com todos os agravantes, fazer do Brasil uma Nação Soberana”. “Não fossem as multidões de canalhas de ladravazes nas funções governamentais, isso aqui seria algo próximo ao paraíso na terra”. “Nossa democracia é uma casquinha de noz, no oceano”.

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Na base dessas diferenças abissais está uma crise de relações. Vivemos um curto-circuito moral, jurídico e político. O esgotamento de certas práticas sociais, a ética da amizade, o compadrio. Sempre existiram conflitos entre nós. Mas eram atenuados, antes. E isso parece estar findando. Intransigentes com os diferentes, nos últimos tempos somos generosos só com quem pensa como nós. Nesses, perdoamos tudo. Enquanto os outros são inimigos. O que é ruim. Sobretudo porque a polaridade nas posições reduz a coesão social. Pior é que nesses novos tempos, amigo leitor, por vezes o medo vence a esperança, o individual vence o coletivo, o preconceito vence a razão, o desalento vence o sonho.

José Paulo Cavalcanti Filho.

jp@jpc.com.br 

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