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É possível que dois “mitos” como Bolsonaro e Moro convivam sem se devorar?

O grande desafio

Por Juan Arias
Atualizado em 30 jul 2020, 19h38 - Publicado em 20 jun 2019, 10h00

Por Juan Arias

Pode parecer paradoxal que um Governo como o atual do Brasil, de extrema direita, um dos mais confusos e sem rumo desde a redemocratização, tenha conseguido juntar dois dos grandes mitos nacionais, o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro. Até quando poderão conviver sem se devorar?

A história dos mitos, que tem sua maior expressão na Grécia Antiga, mas remonta ao alvorecer da Humanidade, tem sobrevivido através dos séculos adaptando-se a cada época histórica. No entanto, algo como a busca desesperada para entender a existência sempre existiu, desde que os mitos se confundiam com as religiões que tentavam dar uma explicação para o cosmos e a morte. E os mitos eram criados pela tribo, pelo povo. Este criava seus deuses, seus heróis, seus seres superiores capazes de dar respostas às angústias do desconhecido que o atemorizava.

Aqueles mitos de heróis e deuses capazes de resolver angústias e decifrar mistérios chegaram até hoje. Persistem na esfera religiosa e até penetraram na política. Afinal, todos os famosos líderes populistas são alimentados pela base, principalmente pelos mais necessitados de que lhes resolvam suas ansiedades e angústias. E, assim como todos os mitos antigos, ainda hoje os novos mitos da política e da justiça têm um fundo religioso, que os conecta com as velhas divindades. Não é por acaso que todos os mitos políticos costumam apresentar um forte componente religioso, sejam de esquerda ou de direita.

Hoje o Brasil vive a novidade de ver governar juntos os dois maiores mitos do país depois do carismático Luiz Inácio Lula da Silva, que, mesmo condenado e na prisão, continua sendo o maior mito político da história moderna do país. Fora Lula, cuja trajetória política ainda não parece esgotada e poderia ressuscitar de suas cinzas como no velho mito da Fênix, os dois grandes mitos da política do Brasil atualmente são o presidente e capitão da reserva Bolsonaro e o ex-juiz Moro, que se retirou da magistratura para ensaiar sua nova aventura como político.

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Ambos foram consagrados como mitos pelo povo. Bolsonaro foi apelidado assim por seus milhões de fiéis que o viram como um novo Messias capaz de libertar o país das garras da corrupção, da violência e da “praga da esquerda”, que segundo ele e suas hostes arruinaram o país e o despojaram de sua essência moral e religiosa. Para acrescentar um elemento essencial ao mito, o da proteção dos deuses, juntou-se a Bolsonaro a coincidência do atentado contra ele, visto, de baixo, como o sinal divino que o confirmava como o mito consagrado.

O outro mito é o do ex-juiz Moro, responsável principal pela Operação Lava Jato, que moveu em nível nacional uma cruzada contra a corrupção de políticos e empresários famosos. Pela primeira vez, aqueles intocáveis de colarinho branco acabaram na prisão, algo inédito até então neste país, considerado o da impunidade dos poderosos. Também neste caso, foi o povo que elevou o juiz Moro à categoria de mito, de escolhido pelos deuses. Era o novo superman contra a corrupção.

Hoje esses dois mitos populares, depois de o juiz Moro ter dado o salto − que poderia acabar sendo mortal para ele − da justiça para a política, aceitando ser o ministro da Justiça de um Governo de extrema direita, acabaram juntos. Algo inédito na política do país, assim como a convivência pacífica de dois mitos. Quem conhece a história antiga sabe que os mitos nunca conseguiram conviver. Os deuses eram ciumentos e não admitiam que outros mitos coexistissem com eles. Devoravam-se mutuamente. Hoje é assim na política. Na era moderna, não conhecemos nenhum caso em que dois mitos convivam em paz em um partido ou em um governo. Um deles está fadado a sucumbir.

No Brasil, existiu pela primeira vez a possibilidade de que, no Partido dos Trabalhadores (PT), convivessem dois grandes mitos, o do ex-torneiro mecânico Lula, que chegou à presidência e se tornou um mito mundial, e o de sua sucessora, Dilma Rousseff, que ele havia escolhido também como outro mito, o de ser a primeira mulher a chegar à chefia de Estado do Brasil, e também acabou sendo uma figura mítica internacional. No entanto, nem nesse caso foi possível a convivência pacífica de dois mitos. Dilma logo quis buscar seu caminho de glória, sua consagração como mito, desta vez feminino, e começou a se distanciar de seu deus protetor. A ruptura entre os dois mitos é hoje conhecida por todos. Lula confidenciou a seus íntimos que Dilma “não o obedecia”. Ela havia apostado em sua independência. Quis ser mito como ele. Se Lula representava o lulismo, Dilma representava o dilmismo. E a história antiga se repetiu com eles: os mitos não podem conviver.

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Hoje temos Bolsonaro e Moro, dois mitos até ontem indiscutíveis e reconhecidos pela base, embora o pedestal de mito de Moro tenha começado a rachar sob a suspeita de que o ex-juiz tenha usado o poder de seu cargo e de seu mito para eliminar, com sua força judicial, o grande mito da política, Lula. O certo é que hoje Bolsonaro e Moro parecem contradizer a história de que dois mitos não podem conviver pacificamente e de que um deles acabará sacrificado. Ambos se esforçam para demonstrar que é possível conviver lado a lado, e assim começam a aparecer em público. Até quando? Alguém se atreve a apostar?

Carlos García comentou neste jornal o livro A Imagem Mítica, de Joseph Campbell, que defende a tese de que os mitos continuam vivos e necessários para uma Humanidade que ainda não soube decifrar nem o mistério da morte, muito menos o da vida. Por isso, continuam sendo criados mitos, como no passado. É verdade que, como dizia o filósofo espanhol Ortega y Gasset, “as ideias deveriam se sobrepor” aos mitos. Ninguém conseguiu isso ainda.

O que ocorre, segundo García, é que embora os mitos persistam e pareçam não querer morrer, quando ultrapassam a fronteira do divino e se infiltram na política “se prestam para releituras e manipulações, às vezes perversas”. Seria uma profecia para o Brasil de hoje, onde ainda poderíamos ver, como no Velho Olimpo dos deuses, os mitos Bolsonaro e Moro engalfinhados em um festim canibalesco?

(Transcrito do El País)

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