É ficção. Mas soa como piada
No país onde até o passado é incerto, a jurisprudência só pode ser flutuante.
Sem dúvida, os juízes estão certos. Estes são tempos estranhos. Tão estranhos que a gente agora deu para precisar assistir a transmissão de julgamentos ao vivo, todos os dias, para ter certeza de que ninguém mudou de opinião de acordo com a cada do freguês, ou melhor, do réu.
Se fossemos normais, ou pelos menos quiséssemos ser, não seriamos obrigado a aturar reality show de gente feia e roteiro ruim. Mas não é assim. Brasileiro que se presa precisa estar sempre em dúvida. Se dependesse da nossa corte, a lei da gravidade estaria na pauta para mudança de jurisprudência.
Coisa de doido. O brasileiro frequenta escolas ruins. Forma poucos engenheiros, médicos, enfermeiros, arquitetos, cientistas, ou qualquer outra profissão produtiva. Mesmo assim, concentra enorme energia no entendimento de interpretações complexas de teorias jurídicas na maior parte das vezes distantes e improdutiva. É excesso de advogado.
Nos dias de hoje, perdemos a habilidade de diferenciar o certo do errado sem a interferência de um advogado. Juristas autoproclamados nunca foram tão famosos. E tão requisitados. Nunca tantos deveram tanta aporrinhação a tão poucos. O país foi sequestrado por bacharéis. Somos todos reféns.
Incrivelmente, a gente vê tudo isso com algum ar de normalidade. E até confunde com aprimoramento democrático. Expressando-se em idioma semelhante ao português, nossos juízes não se furtam a explicar hoje o porquê mudaram o que decidiram ontem.
Atrás cada contorcionismo linguístico vem escondidas ideias impublicáveis e obsoletas, concebidas somente para justificar o absurdo. No país onde até o passado é incerto, a jurisprudência só pode ser flutuante.
No meio de tudo, vivemos sem nos dar conta de que a razão de ser de um sistema jurídico é o conhecimento prévio e amplo da lei pelos cidadãos, sua aplicação uniforme e previsível, e o direito a julgamentos justos e consistentes. Nestes tempos estranhos, a única certeza é que nada disso acontece. No Brasil, segurança jurídica é ficção. Mas soa como piada.
Elton Simões mora no Canadá. É President and Chair of the Board do ADR Institute of BC; e Board Director no ADR Institute of Canada. É árbitro, mediador e diretor não-executivo, formado em direito e administração de empresas, com MBA no INSEAD e Mestrado em Resolução de Conflitos na University of Victoria. E-mail: esimoes@uvic.ca .