“Estamos na boca de um buraco negro que está atraindo tudo lá para dentro. A conjuntura está piorando a uma velocidade enorme”, diz o ex-ministro Antônio Delfim Netto, da Fazenda, em conversa com a jornalista Cláudia Saflate, do jornal “Valor”.
O buraco atende pelo nome de Jair Bolsonaro, presidente da República, mas isso Delfim não diz com todas as letras, apenas sugere. Em menos de uma semana, Delfim é o segundo remanescente do antigo regime militar a temer o pior.
O primeiro foi o ex-presidente José Sarney. Em entrevista ao “Correio Braziliense”, ele disse que Bolsonaro aposta “todas as suas cartas no caos”. Sarney tem 89 anos de idade. Delfim, 91. Os dois pensavam que já haviam visto quase tudo. Enganaram-se.
Delfim considera que as manifestações de apoio a Bolsonaro marcadas para amanhã serão “um ponto de inflexão nos rumos do governo e do país”. Se forem grandes, o presidente tenderá a se achar forte o suficiente para impor restrições à democracia.
Se forem pequenas, ele virará uma espécie de rainha da Inglaterra. Na primeira hipótese, se Bolsonaro atentar contra a democracia, produzirá uma crise institucional que provavelmente desaguará em um processo de “impeachment” e o país terá uma nova eleição.
Intuição ou torcida? Delfim prevê que as manifestações serão fracas. Nesse caso, “Bolsonaro terá que se render à ideia de que fazer uma política republicana de divisão do poder com os partidos não significa participar de corrupção”. Na democracia é assim.
“Se alguém tiver a ilusão de que vai poder violar os dispositivos da Constituição de 1988, terá uma grande surpresa”, adverte Delfim. “Um dos grandes erros de Bolsonaro e dos seus seguidores é pensar que a voz do povo é a voz de Deus. Não é”.
E logo o ex-ministro se apressa a ensinar: “A voz do povo é a voz do diabo, que está se divertindo. O povo não tem lealdade. Ele é influenciável”. Outro erro de Bolsonaro: atribuir à esquerda as manifestações contra o corte de verbas para a Educação.
A esquerda não coopta “mais ninguém depois do tumor de fixação que se criou no PT!”, destaca Delfim. Quem participou dos atos de protesto naquele dia em mais de 200 cidades foram os alunos e os pais bolsonaristas “que constituem a maioria”.
Para Delfim, “temos, em cinco meses, a maior densidade de lambança por unidade de tempo já vista no país”. Controvérsias que ameaçam espalhar o fogo são obras do governo. É como o cara que atravessa a rua só para pisar numa casca de banana.
Bolsonaro governa à base de atritos. No mais recente, provocado pelo filósofo Olavo de Carvalho, quis demitir o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo. “Ele desmoralizou os militares que estão do lado dele!”, afirma Delfim, perplexo.
O Brasil caminha para uma depressão econômica, reconhece Delfim. Se a reforma da Previdência for rejeitada pelo Congresso ou exageradamente desidratada, aí o país estará no pior dos mundos. Será o salve-se quem puder.