12.1./2008
– Estou orgulhoso de sua maturidade, princesa.
– Maturidade, como? – perguntou Sofia.
– Maturidade. Você me parece muito tranqüila a poucos dias de dar à luz.
– Tranquila?
– Sim, tranquila. Dona da situação.
– Você acha mesmo?
– Acho. Apesar da pressão de sua mãe, sua sogra, seu marido, seus irmãos, você está calma. Não deve ser fácil.
– Quer saber a verdade, pai? Estou apavorada. A-pa-vo-ra-da!
– Com o quê, princesa?
– Com o nascimento de Luana. Tenho medo de não saber cuidar direito dela.
– Mas certamente as coisas elementares você já sabe…
– Do tipo…
– O que fazer quando Luana começar a chorar?
– Essa é fácil, pai. Criança só chora por quatro motivos: porque está com fome, porque fez cocô, porque está com cólicas ou porque quer colo.
Procurei na estante um velho exemplar do livro “A vida do Bebê”, do Dr. Reinaldo Delamare. Sumira. Tentei achar em vão “Meu filho, meu tesouro”, do Dr. Benjamin Spock.
Quando nasceu André, Rebeca não dava um passo sem consultar antes um dos dois livros. Ou os dois ao mesmo tempo. Se Delamare e Spock divergissem a respeito de um determinado assunto, Rebeca desempatava com sabedoria e bom senso.
É verdade que ela não encontrou resposta em nenhum dos livros para algo que passou a atormentá-la depois do segundo mês de vida de André. Sozinho, no berço, assim sem mais nem menos, ele parecia sorrir vez por outra. Morávamos na Bahia. Ali tudo é possível.
– André está sorrindo, e eu não sei de quê.
– Bebê não sorri Rebeca. Não com dois meses.
– André sorri. Eu vejo.
– Rebeca, preste atenção: André ainda não tem idade para achar nada engraçado. Para isso ele teria que saber distinguir entre o que é engraçado e o que não é.
Um dia cheguei em casa e levei um susto: um negro de quase dois metros de altura, carregado de colares fortemente coloridos, jogava búzios em cima da mesa da sala de jantar forrada com uma toalha de renda.
Dei boa noite e fui para o meu quarto.
Rebeca é judia. Vai à sinagoga várias vezes por ano. Mas respeita todas as religiões. E acredita no que diz a maioria delas. Acredita também em numerologia, astrologia e quiromancia.
– Eu não disse? Eu não disse? André sorri, sim – comemorou Rebeca depois que o pai de santo foi embora.
– Pelo amor de Deus, Rebeca, sorri de quê?
– Sorri para o espírito do meu pai que aparece pra ele.
Arnaldo, pai de Rebeca, morreu quando ela ainda era adolescente. Não o conheci. Deixou fama de homem refinado. Foi ele que introduziu nas rodas chiques do Recife o hábito de beber uísque puro com pedrinhas de gelo. Bebia-se uísque com guaraná ou Coca-Cola.
– Quer dizer que André acha engraçado o espírito do seu pai?
– Você tem um trabalho a fazer – segredou-me Rebeca. Vai pôr uma oferenda para Yemanjá no barco de presentes dela que sai no dia da procissão.
– Põe você.
– Não posso deixar André sozinho.
– Você está de brincadeira…
– Não, não estou. Eu compro o presente e você leva.
– Minha família é católica, Rebeca. Sou sobrinho de arcebispo. E além do mais sou de esquerda. Não esqueça que a religião é o ópio do povo.
– Você vai, sim. É pelo bem do seu filho.
– Por quê? Que mal haverá se ele seguir convivendo com o espírito do avô?
– O espírito do meu pai deve ficar em paz.
No dia da procissão de Yemanjá, madruguei com o presente na sede da colônia de pescadores do bairro do Rio Vermelho, de onde sai o barco. Não queria cruzar com certos amigos incapazes de fazer concessões. Encontrei um desses por lá – e também com um presente.
O efeito do tributo prestado à Yemanjá foi imediato, segundo Rebeca: André, simplesmente, parou de sorrir do dia para a noite. Tornou-se um bebê sério.
Fica a receita que vocês jamais encontrarão nos livros dos doutores.
Presenteei Sofia com o livro “Momentos Decisivos do Desenvolvimento Infantil”, do pediatra americano T. Berry Brazelton. Ela me telefonou ontem à tarde aos prantos.
– Pai, eu não disse que serei um fracasso como mãe?
– O que foi princesa?
– O livro diz que o bebê chora por seis motivos, e eu só conhecia quatro.
– Quais são os seis?
– Vou ler: fome, dor, cólicas, tédio, desconforto e desabafo depois de um dia estressante.
– Dor e cólica são a mesma coisa. Reduza, pois, os motivos para cinco. Desconforto é igual a “cocô”. O autor esqueceu-se de mencionar “colo”. Tédio? Bobagem. Pronto: você foi aprovada nesse quesito.
– Pai, como o dia pode ser estressante para um bebê?
– Digamos que Luana tome o café da manhã e saia para passear. Ela resolve então dar um pulinho no shopping. Depois vai almoçar com as amigas. Depois dá outro pulinho no shopping porque se esqueceu de comprar alguma coisa. Depois vai ao salão fazer as unhas e escovar o cabelo. E durante esse tempo todo seu celular não para de tocar… Não tem bebê que não se estresse assim, princesa.
Silêncio do outro lado da linha.
– Sofia? Sofia? Você está me escutando?
Ou ela desligou irritada ou acabou a bateria do celular.