Cartas de Nova York: Aço para derreter a tristeza
Os tambores de aço aparecem em vários lugares na cidade, mas no metrô, eles ganham outra dimensão
Nova York não é uma cidade triste. Mais parece um lugar onde as pessoas não tem tempo para sentir muito, nem espaço para demonstrar emoções. Chorar em público é comum em Manhattan. Quando acontece, é como se todos se lembrassem de seu próprio dia difícil na cidade e dessem uma privacidade para a pessoa que chora. Um respeito pelo espaço pessoal, uma cúpula protetora invisível que os olhares que desviam de quem sofre criam, muitas vezes no metrô.
O metrô de Nova York é sujo, velho, barulhento. O sistema concentra tudo de bom e de ruim na cidade e as pessoas, tristes ou felizes, não podem evitar a exposição dentro do trem. Quem chora, chora muito perto dos estranhos. Chegando ao fim de janeiro, os casacos já estão pesados, os rostos estão impacientes, cansados e, talvez, sim, um pouco tristes. Mais fácil ver gente que chora e disfarça entre o gorro e o casaco. Não há tempo nem espaço para esconder a tristeza numa manhã no metrô nova-iorquino.
E no meio de um caminhar difícil, de uma plataforma para a outra, um tambor de aço acaba com todo esse tormento do “commuter”, aquele cidadão que se arrasta para o trabalho em meio aos trens atrasados e as temperaturas negativas. Os tambores de aço aparecem em vários lugares na cidade, mas no metrô, eles ganham outra dimensão. A acústica ajuda, o brilho da superfície côncava do instrumento e o fator inusitado de se encontrar algo que soa tão lindo num espaço sujo e escuro fazem todo mundo notar o tambor de aço.
O som parece tanto vir do Caribe que chega a esquentar o ambiente da baldeação. O amplificador ao lado toca o Bob Marley no último volume e o andar de centenas de pessoas parece adotar o ritmo do reggae. Um homem negro sem casaco, de camiseta branca, alto, lindo e sorridente, canta junto enquanto toca o tambor de aço. Há dias muito frios em que a música escolhida é “Three Little Birds.” Eu mesma adoro essa opção porque tenho saudades dos passarinhos durante o inverno e a letra lembra a gente para não se preocupar, que “every little thing” vai dar certo.
Mas essa semana, depois de encontrar o cansaço da manhã sem luz, a frustração do trem, o choro e a tristeza da passageira ao meu lado, fiz a baldeação e no caminho de sempre, esse homem tocava o Bob Marley alto. “I don’t want to wait in vain for your love.” E ele sorria e acompanhava com o instrumento. “Eu não quero esperar em vão pelo seu amor.”
O tambor de aço preencheu o espaço entre os “commuters.” Desejei um bom dia para o músico jamaicano tão bem humorado (ele nem sabe o quanto é meu amigo). E para cada cumprimento, ele jogava beijos no ar…”Have a great day, my love”, enquanto a gente se arrepia com a música que toca no metrô.
Luisa Leme é jornalista multimedia e documentarista. Passou pela TV Cultura e TV Globo em São Paulo, e pelas Nações Unidas em Nova York. Mora nos Estados Unidos há dez anos . Sempre no twitter: @luisaleme