Atraso e falácias: Suassuna (no chão) e Bolsonaro na ONU (por Vitor Hugo)
O discurso do presidente
Em linha reta (aérea), 6.740 quilômetros separam Recife, na beira do Rio Capibaribe, Nordeste do Brasil, de Nova York, cosmopolita cidade da costa leste dos Estados Unidos, à beira do Rio Hudson. Na capital cercada de pontes, na poética Rua da Aurora, a estátua de Ariano Suassuna, mestre e símbolo da inteligência regional e nacional, teve as pernas quebradas e foi jogada no chão, na madrugada do dia 21, num ataque de “vândalos” (definição usada no noticiário deste caso torpe). Na cidade norte-americana, sede da ONU, na abertura de sua 75ª Assembleia Geral, em histórica primeira sessão digital, dia 22, o presidente Jair Bolsonaro jogou nas costas de “índios e caboclos”, a responsabilidade pelas devastad oras que imadas na Amazônia, Pantanal e no resto do país.
Estes dois fatos evidenciam: no jogo pesado e não raramente repulsivo e condenável (da política, dos sectarismos religiosos, dos engodos governamentais, das ideologias, dos interesses dos negócios e dos negociantes), a “Veneza brasileira” e a “Maçã” podem ficar mais próximas do que se poderia imaginar. Principalmente quando a questão é de atraso e de falácias, presentes nos dois casos.
O discurso do presidente, pré-gravado e ouvido pelo próprio Bolsonaro, no Palácio do Planalto, ao lado de seus ministros em rígida, casernosa, mas efusiva formação, a fala do chefe de estado, que abriu a reunião de mandatários do planeta (por praxe), teve reações díspares e contraditórias, local e mundialmente. Informações de bastidores revelam que nos quartéis e nos núcleos de decisão do governo, o clima foi de festa.
Sabe-se, por exemplo, que os militares ficaram em êxtase. A começar pelo ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), “Boina Azul” das Nações Unidas, general Augusto Heleno, que teria contribuído com dicas e macetes para amaciar a fala do capitão e torná-la mais palatável e sonora aos ouvidos mais relevantes na ONU. Um eufórico integrante do governo vibrou: “Foi tudo o que esperávamos. O presidente marcou posição, atacou críticos, sem ser agressivo” .
Os críticos e opositores do governo, no entanto, são duros e implacáveis em suas análises sobre o pronunciamento de Brasília para o mundo, via Nações Unidas. Noves fora adjetivos, que vão de “mentiroso”, “falsário”, “cínico” e outros impublicáveis – partidos de diplomatas, parlamentares, governantes, indigenistas, dirigentes de ONGs, artistas, intelectuais e outros mais – “caíram matando” (na expressão soteropolitana) em cima de Bolsonaro. A síntese, neste caso, talvez esteja na reação de Beto Marubo, da Univaja: “Na ONU, o presidente da República sugeriu que queimadas são provocadas por índios e caboclos, justamente as vítimas desse crim e em s&e acute;rie. Enquanto governo persistir em falácias e teses infundadas, o mundo e os próprios brasileiros ficarão sem resposta nessa questão ambiental”, criticou o representante indígena. Ponto.
E estamos de volta à Rua da Aurora, em Recife, e à escultura de Suassuna (obra de Demétrio Albuquerque) depredada no chamado Circuito dos Poetas, onde estátuas de outros vultos da cultura e da inteligência do Brasil, já tiveram nariz quebrado, braços extirpados e pescoços cortados. Tudo atribuído a “vândalos”, não identificados e impunes. Desse jeito, onde iremos parar? Responda quem souber.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br