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Por Coluna
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A sociedade fora do jogo (Por Paulo Delgado)

A atual indicação para o Supremo Tribunal parece nudez escondida na cegueira

Por Paulo Delgado
Atualizado em 18 nov 2020, 19h54 - Publicado em 14 out 2020, 12h00

À parte expor um ponto de vista e alguma escala de valores, o mexerico que envolve a indicação do novo ministro do Supremo rouba a cena. A reconstituição do tribunal superior pela reprogramação pessoal de seus membros é o desfecho ameaçador do efeito cumulativo de funcionar como Corte individual.

É difícil analisar a grandeza de uma indicação se não é considerado pequeno elevar-se artificialmente ao alto. Um indicado mata-borrão, escolhido para absorver interesses, e não pelo mérito, pode, sim, um dia virar ministro. Assim, a crítica não se aplica ao magistrado pelo fato de ser do Piauí, terra querida, filha do sol do Equador, mas a alguém disposto a ser peça na charada de decisões combinadas.

Como não temos unidade sobre as exigências do espírito, não há um eixo comum para ver as coisas. O que parece transparente pode ser indecente e o opaco, brilhante. Poder é devoção e o fervor de agradar, uma profundeza da vida política. A atual indicação para o Supremo parece nudez escondida na cegueira.

Ninguém sabe ao certo de onde o presidente tira a energia para formar seus ossos. Seu apetite não muda com as circunstâncias. O que temos visto são as circunstâncias se ajustarem ao seu apetite. Farejadores de ocasião se aproximam e por um tempo andam na mesma direção.

Liberado pelo costume de considerar o País um rio sem margem, o presidente vai formulando sua visão das coisas sem temor. Como um líder tradicional, nadador que imagina jamais se afogar, está à vontade em seu jogo sem sutileza, como no velho aforismo prussiano: confia em mim, sai da toca, disse o galo à minhoca.

Mas quando ninguém mascara mais sua verdadeira intenção, estamos diante de decisões alienadas da natureza das instituições e dos interesses da sociedade. A sucessão no Supremo não é glória jurídica, militar, evangélica, liberal. Seus arredores são outros, estão no território da vacina para estagnar a aflição de poderosos socialmente inseguros. A indicação não é aurora, é decomposição tardia de outrora. O ministro, denominador comum do crepúsculo de uma era.

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Por isso um currículo são as boas relações que o indicado estabelece com altos poderes em suas conduta e sentenças. O de papel, placas com telefones atenciosos nos canteiros de Brasília oferecem teses customizadas. Sem etiqueta pública o relacionamento é como mescalina, ou tubaína, um alucinógeno natural que mascara a dupla notório saber e reputação ilibada, essa, sim, perigosa substância de que é feita a autoridade.

Se o governo federal não liga para o fato de que o Brasil é um desafio econômico que interessa a todos, é desnecessário imaginar que se dê conta de que é primordialmente um desafio espiritual. Se o País se afogar, a razão só virá de outro mar, como ocorre com nossas crises políticas.

Não adianta resmungar se quem não sabe plantar tem força para atrapalhar a colheita. Qualquer ministro que chegou ao Supremo por mérito deve se sentir esmagado pela realidade, cujo sofrimento maior é saber da fragilidade de uma Corte improvisadora, ajustada ao poder de cada um.

Os ajustes que estão sendo feitos, com tal desenvoltura corporal e vocabular, como não incluem até agora o autoexame de nenhum dos três Poderes, revelam que os interesses atendidos são suficientes e a sociedade está definitivamente fora do jogo.

Não há medida ou parâmetro. Todas as conveniências pessoais concordam entre si e os membros dessa monarquia em movimento usufruem o tempo da República com tal leveza que é difícil dizer quais segredos incentivam coreografia tão sincronizada à luz do dia.

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Nem é verdade que todos sejam súditos da lei. Alguns usam a razão do outro e a arranjam como consequência que facilita as coisas. O que acontece entre as elites dos três Poderes é resultado das afeições entre os mandantes. O arranjo, uma disciplina. Mais uma vez os condescendentes com a ação do presidente não se culpam, pois tudo combina com o preconceito que se tem dele.

O presidente que se equilibrava entre forças antagônicas sentiu o pêndulo a seu favor. E no trapézio em que balançava sua credibilidade recebeu de mão beijada a chance de alterar a matriz de sua má institucionalidade. A renúncia antecipada do mais velho cumpriu o papel pedagógico de realçar as tendências políticas em conflito. E logo o presidente é informado de que pode vestir como luva o episódio e assim justificar a nomeação prematura do mais novo. Se é assim que funciona, assim fique. O pão nosso de cada dia assado no tempo de fervura do Supremo.

Nem sempre toda a culpa é de presidente. Quem o assombrou com a solução para aliviar sua dor de cabeça pessoal conhece bem o ritmo da investigação legal. E provavelmente a ideia de estancar a autodestruição geral transformou tapinha nas costas em mercado de favores.

Dois amigos foram imediatamente descartados e um terceiro inesperado amigo se tornou o maior amigo. Lembra verso de poeta suíço sobre coalizões políticas oportunistas. Embora tosco, encaixa-se dolorosamente bem: quando inimigos brigam, o cheiro não é o melhor. Mas se se reconciliam, ah, o fedor é bem pior!

Paulo Delgado é sociólogo. Transcrito do jornal O Estado de S. Paulo

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