A mosca é azul, mas a febre é amarela
O maior problema do Brasil não está neste momento no céu de Brasília, onde trafegam tantas moscas azuis. Está no resto do país, onde impera o Aedes Aegypt
O Planalto foi avisado que as limitações às indicações políticas do MDB, PP, PR e PRB para a direção da Caixa, previstas no novo Estatuto que será votado nesta sexta pelo conselho de administração, poderão representar a pá de cal nas já remotas chances de aprovação da reforma da Previdência.
Sob o beneplácito dos palacianos, lideres desses partidos já articulam formas de driblar as regras, que obedecem à Lei das Estatais, seja pela pressão para alterá-las, seja encontrando “técnicos amigos” dos partidos para essas vagas.
A pergunta que não quer calar é se valerá a pena manter um esquema de portas abertas à corrupção, que tomou a forma de novo escândalo – depois do Mensalão e do Petrolão, o Caixão – num dos principais bancos públicos do país para aprovar a reforma da Previdência que aí está. Se fosse dado ao público o direito de responder a essa questão, evidentemente a resposta seria não – mesmo entre aqueles que, aos poucos, estão percebendo a reforma como necessidade para assegurar aposentadorias futuras e uma forma de acabar com privilégios do setor público.
É óbvio que não, não vale a pena. Além dos imperativos de ordem ética e moral, está o fato de que o projeto hoje em tramitação já está longe de resolver o problema das contas da Previdência, e será ainda mais desossado e desidratado até sua hipotética votação. Os especialistas em contas públicas prevêem que, em pouco tempo, teria que ser votada nova reforma, mais rigorosa. Todos os candidatos sabem que qualquer presidente eleito terá esse dever de casa.
A esta altura, então, por que tanto esforço – incluindo a permissividade com um flagrante e vergonhoso esquema de corrupção – para votar uma reforma fraca e insuficiente?
É aí que entram as moscas azuis, ou seja, as razões que, de verdade, movem os protagonistas políticos em relação ao assunto. Apesar de sua abissal impopularidade, Michel Temer sabe que a última chance de influir na própria sucessão, e passar à história como “reformador”, está na reforma da Previdência. Se fracassar – e o fracasso ficaria claro já em fevereiro – não lhe restará, em melancólico fim de mandato, alternativa a não ser matar o tempo dialogando com as emas do Alvorada.
A mosca azul também contou a Henrique Meirelles que a única chance de sua improvável pré-candidatura está diretamente relacionada à aprovação da Previdência – que, segundo seus planos, traria um clima de quase euforia com a economia, reforçando bons números que têm aparecido, embora ainda não para o grande público. Sem a reforma, e esse clima, Meirelles está fadado a continuar nos limites da Fazenda.
Outro amigo recente da mosca azul, Rodrigo Maia, já está admitindo as dificuldades para votar a Previdência, numa espécie de “hedge” para evitar ser apontado como responsável pelo fracasso quase certo. Também candidato a candidato, sairia coberto de glória se conseguisse aprová-la no plenário da Câmara, mas diante da circunstância já está jogando a batata no colo do governo.
O maior problema do Brasil, porém, não está neste momento no céu de Brasília, onde trafegam tantas moscas azuis. Está no resto do país, onde impera o Aedes Aegypt .
As impensáveis mortes pela febre amarela em pleno século XXI, as filas de cidadãos desinformados das áreas urbanas buscando vacinas que tinham que ter sido dadas nas áreas rurais, a falta de políticas públicas para prevenir a epidemia e, sobretudo, a solene indiferença dos políticos e do governo – mais preocupados com os cargos da Caixa – é que compõem o quadro mais tenebroso.
Não por acaso, pesquisa do ideia Big Data divulgada ontem em O Globo, segundo a qual 72% dos eleitores consideram a honestidade uma prioridade na hora de votar, trouxe o dado mais preocupante: 84% da população não se sente representada pelo Congresso. Entre a mosca azul e o Aedes Aegypt, quem está sendo contaminada é a democracia…
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Já exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, O Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da SECOM de 2011 a 2014 e hoje é consultora de comunicação