Os presidentes da Câmara e do Senado, em regra, são mais temidos que amados pelos governos, nos termos da clássica recomendação de Machiavel aos políticos, em O Príncipe.
O bem que podem fazer, no caso dessas presidências, é o de abster-se de fazer o mal, isto é, de exercer o poder monocrático de sabotar as iniciativas reformistas do governo, já que, como mentores das pautas de votação, são a porta de acesso ao plenário.
Cabe-lhes selecionar as propostas e hierarquizá-las, podendo engavetar ou protelar urgências e priorizar irrelevâncias; podem, pelo viés negativo, paralisar ou mesmo incendiar a república.
O exemplo mais recente – e eloquente – é o de Eduardo Cunha, que, na presidência da Câmara, contrariou a pauta da presidente Dilma Roussef (o que se mostrou até benéfico) e presidiu o seu impeachment. Na sequência, foi parar num presídio em Curitiba, mas essa é outra história. O que importa é que mostrou a força do cargo.
O temor de repeteco envolve o governo Bolsonaro na presente disputa das duas presidências.
Rodrigo Maia, ontem reeleito para presidir a Câmara, oferece pouco risco ao governo. Seu partido, o Dem, é de índole liberal e, em tese, chancela a pauta reformista do governo.
No Senado, cuja eleição foi adiada para hoje, há o fator Renan Calheiros, não tanto por questões ideológicas, às quais ele não tem dificuldades de se adaptar, mas em face da Lava Jato.
A continuidade da faxina contra a corrupção, compromisso de campanha de Bolsonaro – e razão pela qual colocou Sérgio Moro no Ministério da Justiça -, pode ser obstada ou dificultada pelo presidente do Senado. Ele próprio, Renan, busca ali abrigo, já que o cargo continuará blindado pelo foro privilegiado.
A sessão de ontem, suspensa por falta de acordo (e com o Rivotril de vários senadores e senadoras vencido), resume o abismo que há entre sociedade e instituições. O Senado teve seu dia de STF.
O favoritismo interno de Renan não encontra respaldo nas ruas. O regimento do Senado consagra o voto secreto, embora este não se justifique do ponto de vista do que a sociedade classifica de moral.
O voto secreto foi inscrito originariamente no regimento para defender o parlamentar de pressões e retaliações do governo, mas hoje é mantido para preservá-lo da opinião pública.
Renan não é o candidato dos sonhos do Planalto (nem de ninguém), mas, diante da perspectiva de sua vitória, preparou-se para com ele lidar. Optou por não se meter em nenhuma das duas eleições para não correr o risco de se ver derrotado de saída.
E o risco era grande, já que não fez o loteamento do ministério e não estabeleceu os vínculos fisiológicos que, historicamente, garantem o domínio de um poder sobre o outro.
Sem Mensalão ou algo equivalente à vista, haverá ainda muitos impasses, na expectativa de uma pacificadora tutela palaciana.
A bagunça de ontem à noite foi uma prévia do que ainda teremos de aturar por algum tempo. O fato novo, aparentemente ainda não percebido pelos senadores, é a intervenção da sociedade via redes sociais, que hoje substituem as clássicas torres de marfim.
Ruy Fabiano é jornalista