A arte de perder
O judiciário brasileiro é hoje fonte de insegurança jurídica. Ironia suprema.
Longe de querer chover na festa. Se o Brasil ganhar, também comemoro. Mesmo estando perto do Polo Norte. Sempre melhor ser alegre que ser triste. Mas sem olhar os problemas, a gente não faz samba e muito menos constrói uma nação.
Mas tudo somado e subtraído, a gente continua na mesma. Montado em bovino em macha batida adentrando o pantanal enquanto comemora superioridade imaginária. Enquanto a gente olha o jogo, a caravana passa e a o futuro, imediato ou não, fica cada vez mais nublado.
Vale a pena prestar um pouco mais de atenção no que se passa. Ficar de olho na bola que importa. Perder jogo de futebol não é nenhum mistério. Tantas coisas acontecem que o acidente de que perder jogo não é nada sério.
Mas na vida, se não prestar atenção, a gente perde um pouquinho a cada dia. Não podemos ficar aceitando todas essas perdas, injurias, injustiça e as horas gastas bestamente. Devagar, devagar, a gente transforma um país que nunca teve justiça, em uma justiça que sequer enxerga o país.
Perdemos o caminho. Todo em qualquer sistema judiciário é baseado na ideia de que as leis são conhecidas e inteligíveis; e que os juízes a interpretarão de maneira consistente e rápida. Alguém pode hoje em dia entender as decisões do judiciário?
Difícil ignorar a inversão. O judiciário brasileiro é hoje fonte de insegurança jurídica. Ironia suprema. Com as possíveis exceções das birutas nos aeroportos e dos resultados da Copa de 2018, as decisões do judiciário brasileiro são as coisas mais imprevisíveis nos dias de hoje. Ninguém entende como e porque variam. Mas qualquer um vê que, por trás da retorica rebuscada que usa palavras para esconder pensamentos e interesses, existe um judiciário que se é que um dia foi, certamente já não é mais instrumento de estabilidade.
E enquanto a gente se distrai com bola pingando no campo, vai perdendo fora dele. Lenta e certamente. Refinando dia a dia, hora a hora, nossa habilidade de tolerar a derrota. Aprendendo a nociva arte de perder.
Aprender a perder é fácil. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério. Ainda que seja muito sério.
PS: Escrito antes do jogo do Brasil. Que o Brasil ganhe a Copa. A gente merece alguma felicidade. Mas se não ganhar, existem outras coisas mais importantes e certamente urgentes para a gente se ocupar.
Elton Simões mora no Canadá. É President and Chair of the Board do ADR Institute of BC; e Board Director no ADR Institute of Canada. É árbitro, mediador e diretor não-executivo, formado em direito e administração de empresas, com MBA no INSEAD e Mestrado em Resolução de Conflitos na University of Victoria. E-mail: esimoes@uvic.ca .