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Por Renata Lucchesi
Informações, comentários e curiosidades sobre surfe – a modalidade que tem o Brasil como novo protagonista – e outros esportes praticados no mar.
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Exclusivo: Yuri Soledade conta detalhes de sua viagem a Cortes Bank

O baiano surfou, pela primeira vez na vida, a monstruosa onda de Cortes Bank, na Califórnia. Ou melhor: no meio do Oceano Pacífico.

Por Renata Lucchesi
Atualizado em 30 jul 2020, 23h02 - Publicado em 12 abr 2016, 19h57
O baiano Yuri Soledade em Cortes Bank. (Foto: Fred Pompermayer)

O baiano Yuri Soledade em Cortes Bank. (Foto: Fred Pompermayer)

Quem acompanha o surfe de ondas grandes não tem dúvida de que o baiano Yuri Soledade adora um desafio. Ao lado dos conterrâneos Danilo Couto e Márcio Freire, o big rider provou, no início do milênio, que era possível surfar os paredões de Jaws, na ilha havaiana de Maui, apenas na remada, sem o auxílio de um jet-ski. Com o feito, o trio ganhou o apelido de Mad Dogs, ou cachorros loucos, na tradução do inglês. Yuri foi ainda mais louco no dia 25 de fevereiro deste ano, quando encarou a onda de sua vida, também em Jaws. A bomba rendeu ao brasileiro uma indicação ao Big Wave Awards, espécie de Oscar para premiar os surfistas mais cascas-grossas da temporada.

Como se não fosse adrenalina suficiente, duas semanas depois, na sexta-feira 11 de março, Yuri se jogou em mais uma aventura. E que aventura! Surfou, pela primeira vez na vida, a monstruosa onda de Cortes Bank, na Califórnia. Ou melhor: no meio do Oceano Pacífico. Cortes Bank é uma ilha submersa a cerca de 170 quilômetros da costa de San Diego. As ondas – de até 20 metros – quebram de todos os lados e o surfista tem apenas um ponto de referência, uma boia de sinalização para os barcos, que, até o século passado, frequentemente encalhavam no local. De resto, só a imensidão do mar. Em conversa exclusiva com o blog, Yuri narrou a viagem.

 

Da esquerda para direita: Jeff Kafka, Kai Lenny, Ross Clarke-Jones, Rafael Tapia, Yuri Soledade, Kaipo  Stevens Soledade e Marcus Pettini (Foto: FredPompermayer)

Da esquerda para direita: Jeff Kafka, Kai Lenny, Ross Clarke-Jones, Rafael Tapia, Yuri Soledade, Kaipo Stevens Soledade e Marcus Pettini (Foto: Fred Pompermayer)

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PREPARATIVOS

A ideia surgiu há um tempo. O Rafael Tapia, um atleta chileno que mora no Havaí e vive em busca de ondas gigantes, está fazendo um documentário para um canal de TV americano. O parceiro dele é o australiano Ross Clarke-Jones. Os dois viajaram, pegaram ondas em Portugal, Jaws e a última parada para o programa era Cortes Banks, um local ainda não muito conhecido, surfado por poucos. Foi então que me procuraram e perguntaram se eu tinha interesse em ir. Claro que a resposta foi sim, era um dos meus sonhos conhecer esse pico, então abracei a oportunidade. A viagem era em segredo, para preservar o documentário, tanto que não contei nem para os mad dogs antes de ir. O objetivo era pegar Cortes sem mais ninguém por lá, só o nosso barco, e foi o que aconteceu. Foi o fim de temporada perfeito! Estávamos em seis surfistas, divididos em duplas – Rafael Tapia e Ross Clarke-Jones; eu e o Kai Lenny, um menino muito bom da nova geração de havaianos; o americano Jeff Kafka, chefe de segurança do Big Wave Tour, e o gaúcho Marcus Pettini, que é amigo do Rafael e também mora no Havaí. Além deles, estavam no barco o fotógrafo Fred Pompermayer, o meu filho, Kaipo, para ajudar na segurança, a equipe de filmagem e os tripulantes.

 

Um guindaste tira os jet-skis do barco (Foto: Fred Pompermayer)

Um guindaste tira os jet-skis do barco (Foto: Fred Pompermayer)

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LOGÍSTICA

Chegar a Cortes é uma missão por si só. É no meio do oceano, a 100 milhas (cerca de 170 quilômetros) da costa de San Diego. O deslocamento precisa ser feito no meio da madrugada, já que dura entre 7 e 8 horas e o objetivo é chegar com o sol nascendo, para pegar o mar antes de entrar vento. É quase impossível achar uma data perfeita, porque é difícil conciliar todas as condições ideais: swell (ondulação), vento, maré, tudo precisa estar perfeitamente alinhado. Sem falar na dificuldade de conseguir um barco grande, pois temos que levar os jet-skis. Nós sempre acompanhamos a situação por lá, e neste inverno rolaram vários dias de ondas gigantes, mas sempre com vento ou tempestade, então não adiantava. Nós saímos de San Diego na sexta-feira, 11 de março, e viajamos por aproximadamente 8 horas, chegando em Cortes às 6 da manhã do sábado.

 

As focas, locais de Cortes Bank. (Foto: Fred Pompermayer)

As focas, locais de Cortes Bank. (Foto: Fred Pompermayer)

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O PICO

Hoje em dia é quase impossível encarar essas ondas gigantes sem ninguém por perto. E surfar sem crowd é, para nós, uma realização quase tão grande quanto pegar o mar da sua vida. Em Cortes, parece que só existe você e a água, porque é o único pico tão longe da costa. Existem dois pontos principais, mas a verdade é que as ondas quebram em todos os lados, e não tem um canal, então você fica meio perdido, sem um ponto de referência. A única marcação é uma boia, colocada lá para evitar que barcos encalhem, já que há uma montanha de pedras dentro da água. Entre uma série e outra, a gente tenta se posicionar de acordo com a boia, mas acaba precisando de um pouco de sorte, porque você olha para um lado, olha para o outro e não vê nada além de mar. E que mar gelado! Sem falar que, em Cortes, você realmente sente a presença dos animais. Uma baleia enorme passou bem perto da gente quando estávamos no line up. Lá também tem muito tubarão e foca – elas ficam o tempo todo nadando à sua volta. Todo mundo tentava tirar os tubarões da cabeça, mas ninguém queria ficar na água por muito tempo. Em Cortes, é possível surfar na remada – eu mesmo estava louco para fazer isso –, mas o tow-in é melhor, porque as ondas quebram em vários lugares diferentes, então é difícil se posicionar no lugar certo, na hora certa. É claro que o piloto precisa ser muito bom para te ajudar. Outra coisa que me surpreendeu muito é a velocidade da onda. Mesmo com um swell não tão grande, ela é muito mais rápida do que em qualquer outro lugar do mundo. Ela surge do nada e, de repente, já estoura.

Yuri Soledade (Foto: Fred Pompermayer)

Yuri Soledade (Foto: Fred Pompermayer)

A EXPERIÊNCIA

Assim que chegamos, usamos um guindaste para tirar os jet-skis do barco e colocá-los no mar. O swell não estava gigante, mas as condições gerais eram boas. Pegamos altas ondas, todo mundo se divertiu. Levamos alguns caldos, claro, mas ninguém se machucou. As ondas variavam de 30 a 40 pés de face (9 a 12 metros), o que em uma temporada como essa, de El Niño e ondas gigantes, é um pouco abaixo do que esperávamos, mas foi bom para me situar. Se fosse em qualquer outro inverno estaria ótimo, só que este ano está atípico, temos ondas desse tamanho praticamente toda semana. Mas tudo bem, porque você nunca espera chegar em algum lugar pela primeira vez e já receber o presente de pegar as maiores e melhores ondas. É um ciclo normal: você conhece o local e sofre um pouquinho para se adaptar, depois começa a sentir confiança e ficar confortável. Quando surge aquela bomba tão esperada, você não apenas está preparado mentalmente, mas também é merecedor daquilo. Tanto que a sensação que ficou, com essa viagem, foi a de que teríamos que voltar a Cortes algum dia, porque vimos o potencial do local de perto. Ali realmente é um dos lugares com as maiores ondas do mundo. Acredito que, além de Cortes, apenas Nazaré, em Portugal, e Jaws, no Havaí, tenham esse potencial.

Preparação do barco para a viagem (Foto: Fred Pompermayer)

Marina em Oceanside, San Diego (Foto: Fred Pompermayer)

O RETORNO

A viagem deveria durar dois dias, então pretendíamos voltar no domingo. Só que, no final da tarde de sábado, percebemos que uma tempestade estava chegando. Falamos com o capitão, que já estava preocupado, e resolvemos retornar. A gente adiou ao máximo essa decisão, porque tínhamos esperança de que as ondas aumentassem antes da tempestade, mas ela foi mais rápida. Nessa hora rola uma tensão, uma insegurança, porque estamos no meio do mar, sem telefone e internet, então as decisões são pautadas em sentimentos. Sem contar que ninguém queria entrar na água para arrumar as coisas, tanto por causa do frio, quanto dos tubarões. Só eu e meu filho encaramos essa missão de deixar tudo em ordem, colocar as correntes no jet-ski, etc. No fim, acabamos dando sorte. Saímos de Cortes umas 6 da tarde de sábado e chegamos na marina por volta das 3 da manhã de domingo. No meio do percurso, choveu e ventou muito! Quando aportamos em Oceanside, em San Diego, a tempestade estava muito forte.

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FILHO PARCEIRO

Outro ponto muito legal para mim foi poder fazer essa viagem com o meu filho, o Kaipo, de 18 anos. Na verdade, ele é filho da minha esposa, de outro casamento, mas eu o conheci quando tinha pouco mais de um ano de idade. Eu o tenho como meu filho mesmo, nós sempre tivemos uma relação de pai e filho. Hoje, ele já parece mais meu irmão, porque ele está muito maduro pra idade dele.

Kaipo e Yuri (Foto: Fred Pompermayer)

Kaipo e Yuri (Foto: Fred Pompermayer)

O Kaipo se preocupa não só comigo, mas com todos ao redor. Ele até surfa, mas o sonho dele é ser paramédico, e ele está focado nisso há dois anos. Quando fui convidado para essa viagem, eu falei que precisávamos de alguém pra fazer a segurança, e que podia ser o meu filho. Ele foi amarradão, preparou rádio, levou o kit de primeiros socorros, tudo. O Kaipo sempre ficou aqui no Havaí, e ir pra um lugar como Cortes, no meio do oceano, com ondas vindo de tudo quanto é lado, com o barco balançando, acho que foi uma experiência muito boa pra ele. Eu estou tentando passar todo o meu conhecimento de ondas grandes, de salvamento, de jet-ski pra ele. O objetivo é que ele vire um dos melhores pilotos de jet-ski do mundo para fazer resgates. Eu nunca o forcei a nada – nem mesmo a surfar –, mas ele sempre quis ajudar as pessoas. Pra mim isso é ótimo, é tudo o que eu precisava. Os mad dogs sempre se jogaram na loucura, sem ninguém, sem jet-ski, quase morrendo, tomando na cabeça. A melhor coisa do mundo é ter uma pessoa como ele, que tem essa paixão e esse dom. E eu sei que no momento em que eu estiver na zona de impacto, eu posso contar com ele. Eu sei que ele vai estar ali por mim, assim como eu por ele. Minha esposa, é claro, está ainda mais preocupada, porque agora são dois saindo de casa para enfrentar as ondas gigantes. E poderia ser mais: Kiara, minha filha de 13 anos, tem o maior talento para o surfe, mas ela é ginasta e se dedica demais a esse esporte. Já o pequeno Koa, de 7 anos, acho que vai seguir os meus passos e virar surfista.

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