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Por Vilma Gryzinski
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Zero em tolerância: redações mostram como enganar alunos

Estudantes que tiraram nota mil no Enem são triste sinal de como professores ensinam intolerância, preconceito, deformações históricas e sub-marxismo

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 abr 2017, 17h09 - Publicado em 13 abr 2017, 07h36

A transmissão de conhecimento é um dos mecanismos mais fundamentais da sobrevivência humana. Infelizmente, a transmissão de ignorância também tem um poder fabuloso.

O ensino deturpado e imbecilizado é uma praga que viceja em todo o mundo. Aqui, as redações que tiraram nota máxima ao dissertar sobre “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, o tema do último  Enem,  são uma prova dolorosa dos absurdos morais, factuais e interpretativos que se ouvem nas salas de aula.

Os estudantes nota mil escrevem excepcionalmente bem – às vezes, é até difícil acreditar na sua pouca idade. É possível que, como muitos outros jovens espertos, alguns já tenham percebido que tipo de pensamento é valorizado pelos avaliadores.

Mas as demonstrações de intolerância que dão, involuntariamente, são de cortar o coração. Ao tratar, justamente, do tema da intolerância religiosa, todos espezinham os evangélicos e exaltam a “religião afro-brasileira”.

Um se espanta com o absurdo de existir uma “bancada evangélica” no Congresso, como se fosse a prova definitiva do mal instalado no país. Todos, absolutamente, pedem a intervenção do Estado como solução final para que “desenvolva leis de tipificação como crime hediondo aos atos violentos e atentados ao culto religioso”.

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ESTADO ANÊMICO

Evidentemente, já existem leis que enquadram este tipo de crime. Mas, insuflados por professores de má formação, quando não má- fé, os estudantes querem mais e mais. Claro que só contra os “evangélicos” e a “Igreja católica”, que ainda vêem como uma  instituição todo-poderosa e maligna, ignorando que  entrou em recessão desde o século XIX até chegar ao estado desdentado e anêmico de hoje.

Aliás, se os professores que ensinam tantas bobagens cruzarem com representantes da Santa Madre provavelmente concordarão em tudo. A “opção preferencial pelos pobres”, não obstante as boas intenções, é ancorada em argumentos teológicos mais empobrecidos do que aqueles a quem pretendia ajudar.

O sub-sub-sub-marxismo vigente em muitas escolas é espelhado em doutrinas dolorosamente tolas da Igreja. Bispos brasileiros enaltecem corruptos comprovados. O papa Francisco, com tantas atitudes louváveis, acha que as guerras são provocadas pelos fabricantes de armamentos.

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Se deixassem de existir, humanos, tribos, nações, religiões conviveriam harmoniosamente. Uma prova de que educação na Argentina, até para jesuítas como ele, sofre os mesmos efeitos perversos da “esquerdização” generalizada do ensino e do pensamento.

CERVEJA SEM KEYNES

A palavra vai entre aspas para frisar que nenhum dos grandes pensadores de esquerda do Brasil diria asneiras como as que hoje são ensinadas e depois reproduzidas por alunos enganados por seus professores.

Outra amostra tirada de uma redação nota mil: “A tese marxista disserta acerca da inescrupulosa atuação do Estado, que assiste apenas a classe dominante. Dessa forma, alienados pelo capitalismo selvagem e pelos subvertidos valores líquidos da atualidade, os governantes negligenciam a necessidade fecunda de mudança dessa distópica realidade envolta na intolerância religiosa no país”.

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É impossível imaginar, mesmo na mais distópica das realidades, que tolices remotamente parecidas saíssem da cabeça de grandes pensadores de esquerda como o historiador marxista Caio Prado Jr. ou o gigantesco Celso Furtado, que pode ser descrito como economista keynesiano (de lorde Keynes, não de “quem é o cara sobre quem vou falar hoje” na aula de anti-economia antes de sair para a cervejinha).

Aliás, a cervejinha também reflete a separação dos mundos vigente nos meios acadêmicos. Alunos de esquerda tomam cerveja e falam mal da Lava-Jato. Completamente isolados do pensamento dominante, alunos de direita tomam cerveja e planejam votar em Jair Bolsonaro.

Não existem vasos comunicantes que incentivem todos a ler Marx e Hayek e fazer um bom (e interminável) debate. As discussões vão para o Hades das redes sociais, onde tantos se igualam na ignorância e no primitivismo dos argumentos. Talentos, intelectos e conhecimento acumulado são jogados fora.

REBELDES ESCLEROSADOS

O maior privilégio da juventude é poder fazer um monte de besteiras. Mas ensinar uma versão única e falsamente rebelde chega a ser criminoso. É  possível argumentar que muitos professores são honestos e dedicados, reproduzindo acriticamente o que eles próprios aprenderam.

Como nos casos de abusos, em que crianças que sofrem ou testemunham violências depois as reproduzem na vida adulta, o argumento não elimina a responsabilidade moral dos envolvidos.

As raízes da versão “rebelde” da história, instigante e criativa à sua época, são conhecidas. Hoje, sofre de esclerose terminal e faz emboscadas aos incautos em todas as pares.

Duas exposições em Londres atualmente mostram isso. Uma, reúne obras prodigiosas de Michelangelo e Sebastiano del Piombo na National Gallery. O efeito didático da comparação entre ambos é simplificado, como em qualquer grande exposição hoje, mas valioso.

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A troca de correspondência entre eles parece uma versão um pouco mais longa do WhatsApp. Ambos, embora del Piombo um pouco mais, se dedicam a esculhambar a concorrência. No caso, o fenomenal Rafael.

CRISTÃO PROGRESSISTA

Cartas, pinturas, desenhos e esculturas formam um conjunto espetacular. Infelizmente, maculado pelas besteiras escritas por textos explicativos nos quais Michelangelo é descrito nada menos do que três vezes como um “cristão progressista”.

A imbecilidade, incoerente, anti-histórica  e ofensiva, demonstra como a palavra “progressista” se tornou sinônimo do tipo de regressismo intelectual que acomete uma outra exposição, ainda por ser inaugurada sob o título de Queer Britain.

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A ideia é comemorar os cinquenta anos de descriminalizacão da homossexualidade mostrando obras em que artistas dão “pistas” secretas em quadros mostrando gays. Em si, já é uma estupidez separar as obras fenomenais produzidas por homossexuais desde Safo, ou mesmo antes dela, do restante da arte.

Fica mais idiota ainda quando o chapéu vermelho num retrato de Vita Sackville-West é mostrado como “indício” de sua homossexualidade. Vita e sua amante mais famosa, a escritora Virginia Wolf, eram da upper class, viviam num ambiente de ampla liberdade, incluindo os respectivos maridos.

Virginia produziu uma obra maravilhosa e Vita, um jardim dos sonhos. Enquadrá-las no rótulo homossexual é uma ofensa a elas e a todos os artistas brilhantes, inquietos, rebeldes (de verdade), infelizes, miseráveis, desgraçados, ferinos, cortantes, ágeis e, por acaso, também gays.

Fica a sugestão de tema para uma futura prova do Enem.

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