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Por Vilma Gryzinski
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Ursinhos de todo o mundo, uni-vos? Não com censura chinesa

Bloquear o Ursinho Pooh, com quem Xi Jinping era associado, é apenas uma tarefa do exército digital a serviço mobilizado para a guerra de propaganda

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 30 jul 2020, 20h33 - Publicado em 1 mar 2018, 10h51

O desconfortável momento em que um líder poderoso entra no terreno do ridículo tem se tornado tão comum na política contemporânea que muita gente nem liga mais.

A autoglorificação de Donald Trump, a caríssima maquiagem de Emmanuel Macron e o bunga-bunga do renascido Silvio Berlusconi viraram parte da paisagem.

Como todos ascenderam em regimes democráticos (não vamos falar nas piadas sujas e dancinhas de Nicolás Maduro), só devem satisfação a seus eleitores. Atualmente, estão com uma avaliação razoável.

Xi Jinping não tem esse problema de urna, mas criou um problema para si mesmo ao colocar todo o exército digital chinês, de mais de dois milhões de tropas armadas com computadores, para censurar qualquer referência negativa ao anúncio de que vai romper o sistema de rotação no poder a cada dez anos.

A lista de palavras e expressões bloqueadas nas redes sociais já virou um capítulo na história universal do ridículo.

Sofrem bloqueio a jato coisas como “eu não concordo”, “reeleição”, “mandato eleitoral” e “proclamar-se imperador”.

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Vão para o limbo do mesmo jeito os espertinhos que substituírem esta última expressão por Y,uan Shikai, o primeiro presidente da república da China que em 1915 fez o papelão de tentar restaurar a monarquia e se proclamou imperador. Durou 83 dias no trono que nunca chegou a ocupar.

Mas o símbolo absoluto do grotesco da censura é o Ursinho Pooh, o personagem infantil que foi promovido como um avatar de Xi Jinping e adotado espontaneamente por muitos chineses.

Enquanto era comparado a um simpático e benigno ursinho, Xi Jinping achava ótimo. Quando começou a circular um meme no qual Pooh se lambuza com um pote de mel, uma óbvia referência às delícias do poder, o urso virou um inimigo do povo.

Não é preciso nem dizer o que aconteceu com a expressão “Coreia Ocidental”, como os mais críticos passaram a chamar acerbamente a China.

Comparar o cauteloso, discreto e escolado Xi Jinping ao patético homenzinho-foguete da Coreia do Norte é uma humilhação sem tamanho.

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Entre todas as outras posições de poder que assumiu, Xi Jinping comanda pessoalmente o exército da internet que tudo bloqueia, como as fabulosas fileiras dos guerreiros de terracota, as estátuas que o primeiro imperador da dinastia Qin levou para a tumba há mais de 2 200 anos.

O exército virtual tem praticamente o mesmo número que o real, o Exército Popular de Libertação. A designação engloba todas as forças armadas da China, o maior contingente militar do mundo.

A força das armas e a força das ideias, no ambiente acelerado e caótico da internet, fazem parte do mesmo conjunto, como entende mesmo quem não tem grande conhecimento sobre os mecanismos do poder.

E entender o funcionamento do poder na China, com uma história espantosamente traumática ao longo do século XX, faz parte da vida de Xi desde o berço. Quando ele nasceu, seu pai, Xi Zhonggxun, um dos líderes originais da revolução comunista, era ministro da Propaganda. Cinco anos depois, foi promovido a vice-primeiro-ministro.

“Falava tanto da revolução que criamos calos na orelha”, disse o filho numa entrevista em 2014, recuperada num perfil da revista New Yorker.

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Em 1967, Xi pai, como inúmeros outros integrantes da cúpula comunista, foi preso a mando de Mao Tsetung.

Se não tivesse provocado tantas vítimas, a Revolução Cultural maoísta poderia ser comparada a um programa de humor em escala gigantesca.

Uma das acusações contra Xi Zhongxun era “ter olhado para Berlim Ocidental por binóculo durante uma visita à Alemanha Oriental anos antes”.

Em 1968, quando jovens maoístas franceses faziam barricadas em Paris, Xi Jinping foi mandado, como outros milhões de estudantes chineses, para ser reeducado no campo.

As condições eram tão brutais que ele não tinha sequer uma casa ou tapera para morar. Dormia numa caverna, numa cama de tijolos. Entre outras tarefas, carregava esterco para adubar plantações.

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“As pessoas que têm pouco contato com o poder, que vivem longe dele, tendem a achar que envolve coisas misteriosas e desconhecidas. Mas eu olho além dos aspectos superficiais: o poder e as flores, a glória e os aplausos”, refletiu Xi numa entrevista dada há 18 anos.

“Eu vejo os alojamentos de detenção, a precariedade das relações humanas. Entendo a política num nível mais profundo.”

Como um homem assim acabou transformando o Ursinho Pooh em arma de propaganda?

Uma das pequenas ironias dessa história é que o criador do personagem, Alan Alexander Milne, trabalhou no serviço de propaganda britânico durante a I Guerra Mundial.

Ele foi um dos recrutados para o MI7B, o setor de inteligência militar criado para fazer o que os serviços de inteligência fazem: manipular a opinião pública, alarmada com o nível espantoso de morticínio nos campos de batalha, e contrabalançar a propaganda da Alemanha.

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Nunca um serviço de inteligência pode ser levado tão ao pé da letra. Além de Milne, tinha em suas fileiras, HG Wells, Arthur Conan Doyle, GK Chesterton, Cecil Street e Ford Madox Ford (que era alemão por parte de pai e tirou o sobrenome Hueffer por causa da guerra).

Milne criou Winnie-the-Pooh, o nome em inglês do personagem, e seus amigos com base nos bichos de pelúcia do filho. Virou pacifista e escreveu um dos mais conhecidos libelos contra a guerra. Mudou de posição quando começou a II Guerra Mundial.

Todos os documentos sobre o MI7B foram incinerados, mas um baú guardado no sótão de um oficial que havia participado da operação entregou os segredos de quase um século.

Será que um dia vai aparecer a ordem recebida pelos soldados do computador para censurar o Ursinho Pooh?

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