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Por Vilma Gryzinski
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Sorte do México: desova nos EUA monstros como El Chapo

Bandidos poderosos que compram políticos, intimidam governos e corrompem penitenciárias inteiras livram-se de tudo, menos da extradição

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 fev 2019, 10h46 - Publicado em 14 fev 2019, 08h28

“Eu sei que um dia vou morrer. Espero que seja de causas naturais.”

O desejo manifestado por Joaquín Archivaldo Guzmán Loera foi atendido por Nossa Senhora dos Sicários. Ou talvez na Santa Morte, objeto de devoção dos traficantes.

El Chapo, o chefe de quadrilha que movimentou espantosos 14 bilhões de dólares com o tráfico de drogas, vai ter que esperar uma causa natural para sair da “prisão de todas as prisões”, a “Alcatraz das Montanhas Rochosas”, entre outras caracterizações da penitenciária de segurança máxima do interior do Colorado onde curtirá uma sentença perpétua.

Não adianta nem pensar em fugas espetaculares protagonizadas em cadeias mexicanas – uma num carrinho de lavanderia, outra por um túnel construído debaixo do ralo do chuveiro.

Facilitadas por rios de dinheiro e contatos úteis, como Lucero Sánchez (a chapodeputada que foi parceira e amante do chefão de Sinaloa) ou o ex-encarregado da segurança interna da primeira penitenciária de segurança onde El Chapo, ou O Tampinha, ficou preso.

Dámaso López, El Licenciado, tornou-se funcionário em tempo integral do bandidão e planejou sua segunda fuga com a mulher dele, Emma Coronel.

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Filha e irmã de traficantes, ela foi eleita Miss do Café e da Goiaba da sua cidadezinha quando El Chapo desembarcou com 400 capangas, transportados em três aviões, para influenciar a decisão do júri e fazer bonito diante da morena curvilínea de 18 anos que em poucos meses se tornaria sua segunda mulher e mãe das gêmeas nascidas, convenientemente, nos Estados Unidos.

Com cabelo, boca e seios artificialmente inflados, além de uma quantidade de cílios postiços capaz de provocar uma brisa no tribunal federal do Brooklyn onde aconteceu o julgamento, Emma foi uma verdadeira mulher de bandido.

Todos os demais conhecidos do traficante compareceram para dedá-lo. A coleção de monstruosidades desfiladas ao longo do julgamento ofuscou a formidável e implacável eficiência da justiça americana.

“CARNE ASSADA”

Nada menos que 14 pessoas colaboraram com a promotoria para comprovar os crimes de tráfico de droga, formação de quadrilha e outras acusações que excluíam a assombrosa quantidade de mortos – torturados, mutilados, largados em estradas ou no meio da rua, conhecidos como “carne assada” – deixados pela guerra territorial entre cartéis ou a infernal crueldade dos chefões.

Não que tenham faltado testemunhos arrepiantes. Dámaso López, o ex-chefe de segurança prisional, contou que o jornalista Javier Valdez foi morto com doze tiros a mando dos filhos do chefe do cartel, Iván e Alfredo, conhecidos como Chapitos, por se negar a publicar um artigo a favor deles num humilde jornal local.

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Extraditado para os Estados Unidos e condenado a prisão perpétua, López, que chegou a ser considerado o herdeiro de El Chapo, prestou testemunho na esperança de aliviar a pena.

O colombiano Alex Cifuentes, braço direito “e também o esquerdo”, que passou dois anos escondido na selva de Sinaloa com o chefe, dormindo em várias casas simples, mas dotadas de geradores e conexão com a Internet, fez uma declaração bombástica: soube por El Chapo que Ernesto Peña Nieto recebeu entre 100 e 250 milhões de dólares dois meses antes de tomar posse como presidente. “Posso estar confundido com as quantias”, disse.

Segundo Cifuentes, os dois cartéis em guerra, o de Sinaloa e o dos irmãos Beltrán Leyva, espionavam-se mutuamente. Depois, passavam as informações e pagavam entre 10 e 12 milhões por operações do Exército contra o bando rival.

Registre-se que El Chapo e vários de seus delatores foram extraditados para os Estados Unidos durante o governo de Peña Nieto, agora ex-presidente.

Outro colombiano, Juan Carlos Ramírez Abadia, apodado de Chupeta e com o rosto sinistramente deformado por várias cirurgias plásticas, contou como mandou matar mais de 150 rivais e colocou mais de 500 toneladas de cocaína, de “primeira qualidade”, nos Estados Unidos.

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Contrabandeada em grande parte por El Chapo, rápido e eficiente no transporte da droga, desde meios convencionais como carros que escapavam da fiscalização na fronteira até sofisticados túneis sob ela, barcos de pesca, navios da petroleira Pemex, latas de jalapeño, e até submarinos improvisados.

“Era mais caro que os outros”, comentou sobre os 40% cobrados pelo mexicano baixinho, ex-agricultor pobre, criado vendendo laranjas e balas na rua, que subiu da pequena produção de maconha para o tráfico e se graduou pela “equipe” capaz de receber da Colômbia até 14 aviões por dia, descarregá-los, reabastecê-los e despachar a droga.

VITAMINAS HUMANAS

Menos tétrico foi o testemunho de Christian Rodríguez, mais um colombiano, engenheiro de computação que tinha 21 anos quando começou a trabalhar para o chefão mexicano.

El Chapo só se interessou pelo assunto quando Rodríguez explicou como poderia espionar celulares e emails de colaboradores e mulheres. Emma Coronel e a amante principal passaram a ser seguidas.

Christian Rodríguez estava em Bogotá quando dois agentes do FBI o abordaram e explicaram gentilmente as vantagens que teria como colaborador. Assim, a polícia federal americana passou a ter acesso a comunicações do chefe do cartel.

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Ao contrário do conhecido chiste (“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”), a sorte do México é poder extraditar para o país vizinho os bandidos cujo poder de intimidação e corrupção impossibilita que sejam presos e continuem assim em seu próprio território.

Diante do espetáculo de delatores, amantes, narcoadvogados que ninguém sabe como estão sendo pagos e os horrores que o tráfico cria, defensores da liberação da maconha, primeiro, e depois do resto, passaram a dizer que o caso de El Chapo é uma “prova” de que a guerra às drogas não funciona.

Argumento: depois que El Chapo foi preso e extraditado, o tráfico continuou igualzinho. Ninguém acredita que a prisão de um chefão possa desarticular o tráfico.

É um argumento falacioso – o mesmo usado pelo ator Sean Penn para justificar o entusiasmo com que se embrenhou na selva para entrevistar El Chapo. Azar do mexicano, preso pouco depois.

De olho numa atriz de telenovela que fez o contato e imaginando um filme sobre sua vida, El Chapo recebeu Sean Penn com honras e declarou com orgulho: “Eu forneço mais heroína, metanfetamina, cocaína e maconha do que qualquer outra pessoa do mundo. Tenho uma frota de submarinos, aviões, caminhões e barcos”.

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Claro que não falou da violência, dos três homens que matou pessoalmente por suspeita de delação – espancou um deles com um pedaço de pau durante três horas, até não sobrar osso inteiro.

Nem das meninas adolescentes, escolhidas por uma certa Comadre e enviadas como sacrifício humano para serem drogadas e estupradas. El Chapo chamava-as de “minhas vitaminas”.

Em extensão e quantidade de droga, o cartel de El Chapo ultrapassou o de Pablo Escobar, com quem o mexicano se encontrou uma vez numa “casa grande”.

Ao escapar da morte não natural, que pegou Escobar, ele acabou fornecendo a satisfação ao resto do mundo de vê-lo preso, submetido a julgamento com todas as garantias legais e condenado a uma pena que ainda não foi anunciada.

Mas que dificilmente não o trancará até o fim da vida numa cela solitária com janela de doze centímetros na “supermax” do Colorado.

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