Será que Argentina fará escola e outros criarão imposto anti-Covid?
Ex-jogadores como Batistuta contestam a constitucionalidade do imposto único sobre riqueza, mas até ricos americanos são a favor da garfada
Cerca de dez mil argentinos com bens superiores a 2,1 milhões de dólares pagaram o imposto único sobre riqueza criado pelo governo Alberto Fernández para, muito teoricamente, cobrir gastos com a pandemia.
A arrecadação extra chegou a 2,9 bilhões de dólares e deveria ir para políticas de saúde, subsídios a pequenas empresas e outros nobres objetivos, embora espíritos menos crédulos exibam um certo ceticismo.
O imposto extra, cobrado de uma só vez, foi contestado por gente que suou a camisa para criar suas fortunas, incluindo ex-jogadores como Carlos Tévez e Gabriel Batistuta, além dos herdeiros de Maradona.
Batistuta, hoje um produtor rural com cabelos grisalhos bem aparados – nada da cabeleira longa que caracterizou sua geração e até criou problemas na seleção argentina -, contestou a constitucionalidade do imposto sobre riqueza, alegando inclusive que precisaria se desfazer de bens para pagar a taxa.
O inferno vai congelar antes que um imposto criado por um governo com maioria na Câmara seja derrubado, mesmo na eventualidade de uma sentença favorável na justiça.
O mais intrigante é que a Argentina pode fazer escola – e não apenas em países administrados na base do gogó e da canetada.
Todo mundo sabe que multibilionários famosos como Warren Buffett e Bill Gates têm o compromisso de doar 90% de suas fabulosas fortunas para fundações benemerentes.
Mas agora começa a surgir um movimento para que os muito, muito ricos façam uma contribuição extra e paguem um imposto emergencial para contrabalançar o extraordinário aumento de riqueza que tiveram durante a pandemia – coisa da ordem de 5,5 trilhões de dólares.
“A fortuna total dos bilionários globais aumentou mais durante os 17 meses da pandemia do que nos 15 anos anteriores a ela”, anotou o Institute for Policy Studies, um Think Tank progressista que está propondo uma taxação emergencial de nada menos que 99% sobre os ganhos da era pandêmica dos 2.690 bilionários que existem no mundo registrados pela revista Forbes.
Além do instituto, apoiam a proposta a Oxfam, confederação de ONGs de combate à pobreza, a esquerdista Fight Inequality Alliance e os Patriotic Millionaires.
A inclusão desse último grupo gerou uma manchete imperdível no Drudge Report: “Milionários pedem taxação emergencial de bilionários”.
“Depois da Primeira e da Segunda Guerra, foram implantados impostos únicos em países europeus e no Japão para custear a reconstrução. A França, por exemplo, taxou os ganhos excessivos durante a Segunda Guerra em 100%”, escreveu o presidente dos milionários patriotas, Morris Pearl – ignorando convenientemente o Plano Marshall, o tsunami de dinheiro americano que bancou a recuperação da Europa arrasada.
“O bilionário Jeff Bezos poderia bancar pessoalmente a vacinação do mundo inteiro, mas preferiu gastar sua fortuna numa viagem ao espaço”, espetou Max Lawson, da Oxfam.
O grupo também quer que as “fortunas obscenas” sejas usadas para aliviar a situação dos desempregados pela pandemia, o que obviamente levanta a eterna questão: o que cria melhores condições de vida para os menos privilegiados, garfar os muito ricos ou soltar um pouco a corda dos muito privilegiados para que invistam e empreendam, criando assim mais empregos que beneficiem a maior quantidade possível de pessoas?
As condições sem precedentes da pandemia transformaram em gastadores até governos pautados pela racionalidade fiscal – os irracionais, então, nem se fala. E todo governo gastador é louco por um imposto.
A ideia de sugar 5 trilhões de dólares dos bilionários e “vacinar o mundo” é, evidentemente, uma provocação.
A iniciativa dos milionários patriotas e outros tem por objetivo influenciar a política interna americana, onde o Senado acabou de aprovar, com importante apoio de republicanos, o pacotão de 1,2 trilhão de dólares em investimentos em infraestrutura. A ala mais à esquerda do Partido Democrata já quer engatar o debate sobre outro pacote, de 3,5 trilhões em programas sociais e ambientais.
Enquanto o governo americano não tiver medo de se endividar, os bilionários não precisam perder o sono. Intranquilo mesmo, só Batistuta.