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Retratos comemorativos sempre dão errado; ou muito errado

O casal Obama fez uma opção politicamente correta ao escolher os artistas para os quadros da galeria presidencial, mas a política não dá sossego nunca

Por Vilma Gryzinski 14 fev 2018, 15h36

“Alexandre certamente não posou para Apeles. Ninguém sabe se os retratos dos grandes homens se parecem com eles; basta que seu gênio viva neles.”

Com a modéstia habitual, Napoleão se comparou ao maior conquistador da antiguidade ao teimar em não posar para o retrato mais famoso que Jean-Louis David fez dele, o do cavalo branco empinado.

Barack Obama talvez devesse ter pensado nisso ao posar para o retrato da galeria de presidentes e primeiras-damas do museu Smithsonian.

Ninguém espera que retratos do Smithsonian sejam obras primas, mas os do casal Obama são uma prova de como boas intenções, em matéria de arte, inevitavelmente levam a resultados pavorosos.

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O entusiasmo forçado de Michelle Obama ao revelar ao público o retrato pintado pela artista Amy Sherald disse mais do que mil palavras. A falta de expressão, o tom acinzentado da pele – nem pensar em evocar  a técnica de grisaiille – e o vestido de estampa gráfica formam uma combinação triste.

Ao contrário de um dos vestidos mais famosos da história da pintura, o de Adele Bloch-Bauer no retrato dourado de Klimt, a roupa parece engolir a retratada, em lugar de ressaltar a presença poderosa da ex-primeira-dama, uma mulher de 1,80 metro de altura e personalidade forte.

Os obamistas apaixonados e a estilista que fez o vestido, Michelle Smith, acharam tudo uma maravilha, em especial porque Michelle e o marido escolheram artistas negros que retratam negros; ele, um homem; ela, uma mulher.

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Fora a execução duvidosa, com o ex-presidente sentado numa posição desconfortável, flutuando contra um fundo de folhagens, o artista que pintou Obama, Kehinde Wiley, tem um histórico complicado.

O pintor costuma colocar personagens negros em poses semelhantes aos de quadros dos grandes mestres, um recurso que acaba nos primeiros três segundos e provoca  comparações que seriam desfavoráveis até a artistas mais dotados do que ele.

Em dois desses quadros, ele se “inspirou” em pinturas de ninguém menos que Caravaggio e Gentileschi sobre Judite e Holofernes, personagens de um episódio biblicamente violento. A viúva judia embebeda o general babilônio que faz um cerco à cidade de Betulia. Decapita-o enquanto está embalado no sono.

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Nos quadros de Kehinde Wiley, são mulheres negras que levam as cabeças cortadas de mulheres brancas. Não é preciso nem dizer o que aconteceria se os personagens fossem trocados. As decapitações divulgadas pelo Estado Islâmico no auge de sua expansão não ajudam muito.

O estilo de “reimaginar provocativamente” quadros do Renascimento já foi caracterizado, na linguagem empolada da crítica, de “histórico-subversivo” .

Wiley tem um estúdio em Pequim, o que aumenta as impressões de que usa assistentes para fazer seus trabalhos, uma picaretagem celebrizada por Damien Hirst.

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É claro que artistas do gênero sempre podem invocar o exemplo dos ateliês dos grandes mestres. Um destes é Jean-Louis David, o pintor mencionado no início, famoso pelas cenas grandiosas em que Napoleão é retratado com requintes de hagiografia.

O quadro no cavalo branco, que evoca a histórica travessia dos Alpes para a batalha em que os austríacos são derrotados (junho de 1800, em Marengo, norte da Itália), também já foi usado por Wiley.

No lugar de Napoleão, um homem negro em roupas contemporâneas com uma estampa tipo papel de parede ao fundo. Está no museu do Brooklyn.

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Kehinde Wiley foi mandado aos 12 anos para estudar arte na Rússia, que ainda era União Soviética já no finzinho. Os americanos costumavam dizer que este tipo de bolsa beneficiava os “bebês de fraldas vermelhas”, filhos de simpatizantes do comunismo.

Como a coisa toda acabou, o pintor até tem a vantagem de uma biografia alternativa. A popularidade de Obama também desfavorece reações negativas. Afinal, um quadro é só um quadro.

Mas não é exatamente um bom momento para que o ex-presidente seja associado a qualquer coisa conectada com a Rússia.

As investigações sobre um possível conluio de Donald Trump com o regime de Vladimir Putin estão mostrando, progressivamente, como integrantes do governo Obama e de instituições que deveriam ser independentes se envolveram em ações para prejudicar o candidato de oposição e favorecer Hillary Clinton.

Ainda está para ser revelado se agiram assim por fundamentada convicção de que Trump estava gravemente comprometido por associações criminosas. Ou se caíram na tentação de manipular  a máquina do Estado, contando com uma vitória garantida de Hillary.

“Só existem dois tipos de planos de campanha, os bons e os ruins”, dizia o homem do cavalo branco. “Os bons quase sempre fracassam por circunstâncias imprevistas que muitas vezes fazem os maus ser bem sucedidos.”

A circunstância imprevista, no caso, se chamava Donald Trump. Às vezes, um quadro pode ser mais que um quadro.

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