Quem é o homem mais poderoso do mundo? Bezos na espera
O dono da Amazon, que já é o mais rico, quer mostrar que pode dar as cartas a qualquer um - inclusive Trump - depois de ser pego em flagrante de foto íntima
Mau caráter profissional pode ser burro? Bilionário dono de todas as nossas intimidades pode dar bobeira no celular? E quem vai ganhar a luta do século: o mais rico de todos os ricos ou o presidente dos Estados Unidos?
Estas são algumas das interessantes questões provocadas por uma paixonite de cinquentão. Ao contrário do que acontece no mundo das pessoas normais, na esfera altamente rarefeita onde se locomove um homem como Jeff Bezos, a paixonite virou um caso de interesse global e potencial de consequências políticas intrigantes.
Com seus 130 bilhões de dólares, variando conforme o dia, o dono da Amazon e do maior “armazém” de informações na nuvem tem uma rivalidade virulenta com Donald Trump.
Como entre seus muitos domínios está o Washington Post e como Trump não é um rival como os outros – quem peitaria, no grito, o homem mais rico do mundo? –, não é uma briga qualquer.
No fundo, está em jogo quem é o mais poderoso: Trump, que como todos presidentes de países democráticos, está de passagem na Casa Branca, ou o bilionário extraordinariamente inventivo e astucioso, cuja fortuna espantosa levaria várias gerações de idiotas para ser consumida.
A briga ganhou uma nova dimensão quando Bezos desafiou o dono da National Enquirer, David Pecker. Foi a revista de fofocas que publicou, em detalhes constrangedores, o caso extraconjugal de Bezos com a ex-apresentadora de televisão Lauren Sanchez.
A revista não apenas seguiu Bezos durante quatro meses, registrando seus encontros com Lauren enquanto ambos eram casados, como publicou as mensagens apaixonadas, explícitas e românticas que ele mandou.
Também divulgou – mas não publicou – o teor de fotos íntimas que Bezos havia enviado, julgando-se, como todos os apaixonados, inexpugnável.
AMANTES NA GAVETA
Pecker é um conhecido mau caráter, que usa o poder da sua editora, a American Media, para intimidar celebridades a cooperar com entrevistas ridiculamente anódinas ou virar alvo da revista, uma perigosa mistura de informações bem apuradas com invenções deslavadas.
Ele é também o amigo que Donald Trump usou para comprar a “exclusividade” da história de pelo menos uma ex-amante, Karen McDougal. Uma vez selado o contrato, a reportagem ia para a gaveta eterna.
No passado, fez um acordo do tipo com um porteiro da Trump Tower que afirmava ter ouvido uma história sobre um filho não contabilizado do então empresário e apresentador de reality show.
É claro que a coisa não pode dar certo quando o envolvido se torna presidente dos Estados Unidos.
Foi o que aconteceu com a ex-coelhinha da Playboy, no longínquo dezembro de 1997, e com a atriz pornô Stormy Daniels, quando a oportunidade de faturar passou a ser maior do que o risco de quebrar contratos de confidencialidade ou exclusividade.
Os escândalos, nada surpreendentes quando o envolvido é Trump, viraram um risco político diante da possibilidade, ainda com um longo e discutível caminho para ser comprovada, de que tenham infringido a lei eleitoral porque as quantias não foram declaradas na prestação de contas. Teoricamente, os pagamentos seriam despesa de campanha, pois beneficiaram o candidato.
David Pecker caiu na rede extremamente vasta da investigação do promotor especial Robert Mueller, que começou com a suspeita de um conluio eleitoral com agentes do governo russo e acabou, como não é raro, entre os lençóis de um presidente.
Lençóis, no caso, é uma palavra usada com liberalidade metonímica, considerando-se o antecedente de Bill Clinton, que usava o Gabinete Oval para as relações heterodoxas com Monica Lewinsky.
Pecker fez um acordo de colaboração premiada com Mueller. Por isso, é improvável que, proibido de contato com os envolvidos, tenha acertado com o amigo presidente a publicação das aventuras extraconjugais de Bezos.
Embora sua ousadia insana – um outro nome para burrice, em alguns casos – tenha sido comprovada.
Mesmo já envolvido na investigação que mesmeriza os Estados Unidos, ele mandou o diretor de conteúdo da National Enquirer e seu advogado enviarem emails a Bezos, exigindo uma retratação.
O que Bezos deveria dizer? A American Media jamais tinha sido usada para atender interesses políticos, incluindo-se no pacote uma edição especial da National Enquirer com elogios enjoativos ao herdeiro do trono saudita, Mohammed Bin Salman.
Todas as fortunas que o príncipe gastou para promover seu projeto de abertura viraram pó com o assassinato extraordinariamente mal planejado – outro caso de ousadia burra – de Jamal Khashoggi. O jornalista e operador político tinha uma coluna mensal no Washington Post – daí o encontro nada amigável entre o Post a National Enquirer.
Os representantes de Pecker descreveram em minúcias as fotos que tinham de Bezos, incluindo uma “abaixo da linha da cintura”.
Para dar um toque cômico, “pecker” é um dos muitos sinônimos usados em inglês para o órgão sexual masculino.
Quando Bezos virou a mesa e publicou os emails, alguns cínicos incorrigíveis começaram a chamar o caso de Peckergate. Não vamos tentar traduzir, mas dá para ter uma ideia do sentido geral da coisa.
A maioria da imprensa reagiu com elogios quase deslumbrados à coragem de Bezos.
É difícil resistir à sedução do homem mais rico mundo que, simultaneamente, é a nêmesis, o inimigo mortal de Trump, num terreno em que não faltam concorrentes.
IRMÃO SUSPEITO
Além de expor o caráter lamacento de Pecker, espalhou-se a versão que não só Trump estaria envolvido, como teria utilizado o poder das agências de inteligência que tudo sabem sobre todos em qualquer lugar do mundo – um pouco como a Amazon.
Ou que aconteceu alguma outra coisa sórdida. Bezos colocou uma das maiores empresas de segurança do mundo para investigar tudo, inclusive o irmão de Lauren, Michael Sanchez.
Dono de uma agência de marketing, ele se descreve como “gay, hispânico, morador de West Hollywood e forte partidário de Trump”. Michael Sanchez também é amigo de duas figuras bizarras do universo trumpista, Roger Stone e Carter Page.
Ambos também caíram na rede de Mueller. Roger Stone chegou a ser preso pelo FBI, com uma espetacularidade que faria a Polícia Federal parecer uma escola para moças. Além de armamento pesado apontado para Stone, tinha uma van da CNN filmando tudo.
Desde janeiro, quando a revista publicou a bomba e o divórcio de Bezos foi anunciado, ele não aparece em público com Lauren.
Dona de uma empresa de filmagens aéreas que adora pilotar helicópteros, ela não parece muito preocupada. Deve confiar na paixão revelada pelas mensagens do homem mais rico do mundo, aparentemente disposto ao divórcio mais caro da história para “acordar com você, tomar café com você ler o jornal com você”.
E arruinar seus inimigos, David Pecker e Donald Trump.
Só não pode imaginar que a amante tenha tido alguma participação na história, como tática para “forçar a barra” e apressar o divórcio.
Embora o caso já tenha provocado o interesse de promotores de justiça sempre loucos para ferrar Trump, não é garantido que Bezos comprove na justiça que a editora de Pecker cometeu crimes de extorsão e chantagem.
É preciso provar a cobrança de retornos materiais e que a linguagem usada nos emails ultrapassou os limites das mensagens agressivas trocadas por advogados de partes em litígio quando propõem acordos.
“Bezos e a American Media tinham interesse em resolver suas diferenças”, disse um advogado de Pecker, com o cinismo exigido pela profissão.
E a fonte? “Posso garantir que não é a Arábia Saudita, não é o presidente Trump, não é Roger Stone.”
Todo jornalista que ouve um “posso garantir” desse tipo, acredita exatamente no oposto.
Esta história só pode ficar cada vez melhor.