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Primeiro-ministro sem um voto e outras do parlamentarismo

Itália, Grã-Bretanha, Espanha e Israel são alguns casos do momento em que o sistema parlamentarista cria situações estranhas ou incompreensíveis

Por Vilma Gryzinski
6 set 2019, 09h01

Giuseppe Conte. Muitas pessoas demorarão até associar o nome à pessoa. Ele é o primeiro-ministro da Itália e pela segunda vez. Fez carreira como professor de Direito e nunca concorreu a qualquer eleição popular.

Mesmo num país que já teve 61 governos desde a II Guerra Mundial e vive mais tempo na instabilidade do que em seu oposto, causa estranheza.

É rara a peculiaridade italiana que permitiu a indicação de Conte.

No primeiro governo, como nome de fachada para acomodar os dois partidos mais votados, a Liga e o Movimento Cinco Estrelas.

As tensões eram mais do que previsíveis e, fortalecido pela popularidade, Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro e ministro do Interior, tentou dar uma de estudante de Maquiavel ao romper a coalizão e propor novas eleições.

Levou uma rasteira histórica, o Movimento Cinco Estrelas comprovou que é uma salada ideológica e fez uma aliança com o Partido Democrático, uma fusão de vários grupos de esquerda, inclusive o antigo Partido Comunista da Itália.

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Conte estava na conspirata e assim ganhou a chefia do governo pela segunda vez.

Parece, e em vários sentidos, é um absurdo. A característica do sistema parlamentarista que permite entendimentos de bastidores, se não ilegítimos, mas pelas costas dos eleitores, soa até antidemocrática.

Salvini tentou a manobra fracassada porque, além da votação surpreendente na última eleição, via nas pesquisas que davam à Liga 38% dos votos a oportunidade de, no panorama italiano, conseguir a maioria e governar sozinho.

Agora, uma política do Partido Democrata será ministra do Interior no lugar dele, com uma posição exatamente oposta.

Foi nessa pasta que Salvini aumentou a popularidade com a política de fechar os portos aos africanos que pagam a traficantes para zarpar da Líbia e depois são levados a território europeu por navios de ONGs.

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Numa posição ideológica contrária, mas em situação muito parecida, está o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.

O PSOE, um partido socialista convertido, teve uma vitória histórica em abril, embora sem maioria absoluta.

Por causa disso, Sánchez está sendo lentamente churrasqueado pelo Podemos, uma espécie de PSOL espanhol.

Pablo Iglesias, o fundador do partido e ex-colaborador da Venezuela chavista, faz exigências absurdas, incluindo cinco ministérios importantes.

Sánchez não tem opção a não ser ceder e virar um palhaço, abrindo a porta a políticas autodestrutivas que incinerariam a recuperação econômica conquistada com enormes sacrifícios pela Espanha.

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Ou dizer não e continuar sem maioria, chefiando um governo provisório e precário num momento em que a recessão anda rondando a Europa e os separatistas catalães esperam a chance de atacar de novo.

CEM DIAS

A alternativa, amarga, seria fazer novas eleições, como está acontecendo com Israel.

Com uma fragmentação partidária maior ainda do que a da Espanha, Israel não lembra em nada o bipartidarismo que reinou durante algumas décadas depois de sua fundação: esquerda era o Partido Trabalhista e direita era o Likud.

Os trabalhistas encolheram drasticamente e o Likud só sobrevive no governo com alianças cada vez mais à direita.

Ou nem assim. Consagrado com uma vitória de tamanho que nem ele mesmo esperava em abril, Benjamin Netanyahu foi obrigado a convocar nova eleição, no próximo dia 17.

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A facada foi desfechada, com grande alegria, por Avigdor Lieberman, um “russo” (na verdade, vindo da Moldova, uma ex-república soviética) linha dura que renegou os acordos feitos por Netanyahu com partidos ultra-religiosos.

Predizer o futuro de Netanyahu, um implacável mestre da sobrevivência política, é um negócio arriscado.

Mas até em Israel, onde reclamar de tudo e de todas as coisas é o maior passatempo nacional, não é impossível entender a indignação de simpatizantes do primeiro-ministro com os subterfúgios permitidos pelo parlamentarismo.

Em troca dessa instabilidade inerente, um primeiro-ministro como Netanyahu pode ficar no poder muito mais tempo do que um presidente em países democráticos, geralmente restringidos a dois mandatos ou apenas dois consecutivos.

Netanyahu foi primeiro-ministro de 1996 a 1999 e, pela segunda vez, de 2005 até agora.

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Em compensação, Boris Johnson pode se tornar o primeiro-ministro que efetivamente formou um governo a permanecer por menos tempo nele.

Se for devorado pelo sumidouro do Brexit, entre sua eleição, pelos membros do Partido Conservador, e a data teoricamente final, 31 de outubro, terão se passado 100 dias. George Canning durou 119, em 1827.

Boris se tornou primeiro-ministro depois que o partido forçou a renúncia de Theresa May, multiplamente derrotada no Parlamento e impopular pela maneira como tocou a saída da União Europeia.

No parlamentarismo, o líder do partido, sempre deputado ou parlamentar (exceto no caso da Itália), se torna automaticamente o primeiro-ministro ou o encarregado de formar um governo quando sua legenda é a mais votada.

Se o primeiro-ministro renuncia ou sofre um voto de censura, o partido tem direito a buscar um novo líder e propor o seu nome para a chefia do governo, em votação parlamentar.

Mesmo que isto esteja perfeitamente dentro das regras, a norma é buscar o mandato popular, para ter mais força política. Assim aconteceu com Theresa May. Ela não precisava, mas convocou uma eleição geral. Em lugar de reforçar a maioria, perdeu-a.

Para quem não está acostumado, os rituais do Parlamento britânico, o mais antigo do mundo, parecem estranhos.

Os discursos agressivos são feitos, na verdade, em meio a risadas. Provocar o riso é intencional. Um bom parlamentar tem que ter senso de humor, inclusive para trolar os colegas.

Boris Johnson talvez tenha exagerado um pouco nas ironias, ao chamar Jeremy Corbyn, o líder da oposição de “frango lavado com cloro”, um trocadilho (“chicken” é usado como gíria para covarde e o cloro entra no debate por causa da discussão sobre um eventual abertura de mercado a galináceos americanos).

Também usou um outro insulto de nível de banheiro de meninos, intraduzível, “big girl’s blouse”, significando igualmente um sujeito que foge da briga.

MIL ANOS

Quando vão votar, os parlamentares britânicos saem da Câmara e se dirigem à “sala do sim” ou à “sala do não”. O resultado é apresentado solenemente, com inclinação de cabeça, ao presidente da Câmara.

Votar com os pés, literalmente, era uma prática do Senado romano. Os senadores iam para o lado do orador que apoiassem.

Nenhuma outra instituição do tipo durou mais do que o Senado romano, cujas origens remontam à república fundada cinco séculos antes de Cristo.

Guerra civis, conspirações, corrupção, imperadores, bárbaros invasores, a divisão do império, entre Ocidente e Oriente, e mudança de religião, entre outros acontecimentos cataclísmicos, não conseguiram acabar com uma instituição de mais de mil anos.

Os senadores romanos não faziam leis, exceto em emergências nacionais, e não ganhavam salário.

Mas legaram a tradição de um Senado – ou legislativo – forte, dominante e mais horizontalizado, em oposição à clara divisão de poderes entre legislativo e executivo e à verticalização que existe no presidencialismo (ou cesarismo), com alternância pré-fixada.

Presidentes sem maioria no legislativo sofrem uma imobilização que não acontece com primeiros-ministros que só chefiam governos porque têm um número suficiente de deputados.

A alternativa de comprar votos, com dinheiro desviado de empreiteiras tratadas com dinheiro do povo, não será discutida aqui.

Para compensar, presidentes têm mais liberdade em política externa, incluindo a esfera comercial, como está fazendo Donald Trump.

As vantagens e desvantagens de cada sistema são eternamente discutidas justamente porque se equilibram.

Um dos motivos não declarados do golpe de mão de Matteo Salvini foi um vídeo íntimo, no sentido político, em que Giuseppe Conte se exibia a Angela Merkel, falando mal dele e também do Cinco Estrelas.

Em dado momento, os dois caem numa gargalhada.

Quem imaginaria que Conte não apenas iria sobreviver a uma cena dessas como enfiar a faca nas costas de Salvini?

As surpresas do parlamentarismo, ainda mais do parlamentarismo à italiana, não vão acabar aí.

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