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Por Vilma Gryzinski
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Por que leis eleitorais causam tantas divergências nos Estados Unidos

Herança da segregação racial em estados do Sul contamina medidas que parecem tão simples como mostrar identidade com foto para votar

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 6 abr 2021, 08h18 - Publicado em 6 abr 2021, 08h05

Não existe RG nem CPF nos Estados Unidos e a ideia de que um cidadão tenha que ”mostrar documentos” em qualquer interação com entidades oficiais ou privadas é completamente estranha.

Também não existe título de eleitor, muito menos biometria – isso seria considerado uma invasão inominável da privacidade do indivíduo.

Para votar, as leis variam conforme o estado. Em alguns, vigora a “identificação estrita” – via, na maioria das vezes, carteira de motorista. Outros aceitam identificação sem foto, como um extrato bancário. E em outros não é preciso mostrar nada.

Do ponto de vista da experiência brasileira, parece absurdo que a identificação com foto provoque tantas reações negativas, mas isso deve ser visto da perspectiva americana.

Atualmente, por exemplo, existe uma campanha nacional de boicote contra o estado da Geórgia, onde já vigora o regime de identidade com foto, por alterações na lei eleitoral. 

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São mudanças que parecem apenas burocráticas, principalmente na votação por correio e na composição das comissões eleitorais.

Na prática, foram interpretadas como medidas dirigidas a restringir o acesso à votação do eleitorado negro, embora seja necessária uma lupa com lente bem politizada para fazer esta leitura.

Foi por causa dessa nova lei que a principal federação de beisebol, a Major League, conhecida pelas iniciais MLB, decidiu que não vai mais permitir jogos na Georgia.

Empresas importantes com sede no estado, como a Delta Airlines e a Coca-Cola, condenaram a nova legislação, indicando como o mundo corporativo está tendo que assumir posições políticas que, inevitavelmente, desagradam uma parte de seus clientes – no caso, o eleitorado republicano.

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Num arroubo retórico, o presidente Joe Biden comparou a nova legislação a um “Jim Crown 2.0”.

Originalmente, Jim Crow era um personagem criado por um comediante popular que fazia uma versão exagerada e ridicularizada de um escravo negro.  

Depois da guerra civil e da emancipação dos escravos no Sul, Jim Crow passou a designar todo o sistema de segregação racial, tanto declarado quanto implícito, que vetava a mistura da população negra com a branca em todas as instâncias públicas.

Quando se fala em direitos civis nos Estados Unidos, a designação abarca as garantias conquistadas por intervenção do governo federal para desmontar os mecanismos da segregação, principalmente através das escolas públicas, mas também em outras esferas, inclusive a eleitoral. 

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A era Jim Crow deixou uma herança pesadíssima e não só em imagens de grande poder simbólico, como a do bebedouro proibido para negros ou policiais com cães atacando manifestantes, mas por causa dos linchamentos sucessivos. A simples suspeita de que um homem negro havia falado com uma mulher branca podia desencadear atos inomináveis e jamais punidos de violência coletiva.

Do ponto de vista conservador, é um absurdo comparar a nova legislação da Geórgia com esta era tenebrosa.

“Qualquer um que faça esta comparação ou não entende a barbaridade da era Jim Crow ou a nova legislação”, escreveu Rich Lowry no New York Post, um dos raros órgãos de imprensa que não é progressista nem está na maluquice conspiracionista da direita aloprada.

O colunista enumera alguns componentes banais da nova lei, como a exigência de dar o número da carteira de motorista no caso dos votos por correio ou o prazo de enviá-los no máximo até onze dias antes da data da eleição.

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Subjacente a toda a discussão está o fato de que muitos componentes da nova lei pretendem fechar vulnerabilidades à fraude alegadas pelo ex-presidente Donald Trump, que perdeu na Georgia por apenas 11 mil votos.

O que o beisebol, o esporte por excelência da classe média americana, tão frequentemente usado como metáfora da psique nacional, tem a ver com a história?

Os esportes – e também as transmissões esportivas – estão passado por um processo de politização que reflete o da sociedade em geral. 

Os protestos de esportistas negros começaram com jogadores de futebol americano ajoelhando-se durante a execução do hino nacional, em protesto contra a violência policial. Os donos dos times correm atrás, pressionados pelo risco de serem chamados da pior das ofensas – racistas – e pelas personalidades públicas que exigem adesão.

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Por que uma empresa aérea como a Delta, a maior empregadora da Geórgia, entra nessa briga? Por pressão, obviamente. 

A empresa aérea e a Coca-Cola pronunciaram-se contra a nova legislação depois que executivos negros pediram publicamente que a grandes corporações se manifestassem. Mais de cem empresas atenderam.

Em resposta, Donald Trump propôs que seus partidários boicotassem essas empresas – no caso dele, que toma dez Cocas Zero por dia, um sacrifício enorme.

O New York Times, que obviamente se opõe com todo seu poderoso capital moral à nova lei, lembrou um episódio ilustrativo das complicações que acontecem quando as empresas se veem obrigadas a entrar em questões políticas.

Em 2018, a Delta encerrou a parceira com a NRA, a maior associação de defesa da posse de armas, depois da matança de estudantes numa escola da Flórida.

Em represália, os legisladores estaduais, onde os republicanos são maioria, aprovaram o fim de uma isenção fiscal à empresa aérea, no total de 50 milhões de dólares.

Tirar o beisebol dos torcedores georgianos pode funcionar nos dois sentidos: os que se opõem à nova lei eleitoral aceitam o sacrifício; os do lado oposto, se revoltam.

Nesse ambiente de alta polarização, não dá mais sequer para tomar uma Coca – ou deixar de tomá-la – sem que isso vire um ato político.

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