Patrulhamento: desde quando todos têm que se ajoelhar?
Gesto contra a violência policial tem valor quando é espontâneo; quando é forçado, por pressão social ou para “ficar bem na foto”, torna-se ridículo
O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, disse uma coisa ingênua:
“Só me ajoelho para duas pessoas, a rainha e a patroa, quando a pedi em casamento”.
A patroa, termo usado de forma propositalmente popular, é a brasileira Erika Rey.
Ex-executiva de marketing da Google, conheceu o marido em circunstâncias engraçadas: durante a Copa do Mundo de 2002 e ele começou perguntando se ela era argentina.
ASSINE VEJA
Clique e AssineRaab estava respondendo uma pergunta em entrevista a uma estação de rádio: ele se ajoelharia como fazem os integrantes e simpatizantes do Black Lives Matter?
“Sobre essa coisa de ajoelhar, talvez tenha uma história mais amplificada, mas me parece tirado de ‘Game of Thrones’, soa como um símbolo de subjugação e subordinação, mais do que de libertação e emancipação”.
“Mas entendo que outras pessoas tenham sentimentos diferentes, é uma questão de escolha pessoal”.
Tragam-nos a cabeça de Dominic Raab, exigiram as patrulhas virtuais.
Raab foi para o pelourinho por tudo: fazer graça, não se curvar e ignorar que o gesto original foi do jogador de futebol americano Colin Kaepernick; que começou se ajoelhando durante o hino nacional como uma forma de protesto contra a violência policial e se propagou nas grandes manifestações desencadeadas depois da morte de George Floyd.
O ministro saiu correndo para dizer que tem “respeito total” pelo BLM e as pessoas deveriam ter o direito de escolher se se ajoelham ou não.
Óbvio? De jeito nenhum.
Em muitas instâncias, não se ajoelhar virou sinônimo da palavra mais usada no momento, “racista”, temporariamente substituta de “fascista” – isso quando as duas não se sobrepõem.
Os amedrontados, incluindo grandes empresas apavoradas com a ideia de sofrer um boicote, correm para se por de joelhos ou fazer contribuições para o BLM – mais de 500 milhões de dólares, contando-se outras organizações negras.
Também tornou-se obrigatório dizer que as manifestações são pacíficas, exceto por uma extrema minoria.
Todo mundo viu, nos Estados Unidos, os saques, incêndios e outras violências praticados em grande escala.
Mas falar é proibido porque implicaria em algum tipo de restrição “à causa” – ou à maneira como está sendo praticada.
Também pega mal notar que as cidades americanas onde houve os maiores violências são governadas há décadas por políticos do Partido Democrata e não fizeram nada para melhorar o ensino e o acesso ao trabalho para as minorias, as formas mais garantidas de romper o ciclo da exclusão.
O patrulhamento pode envolver denúncias anônimas ou inventadas, um tipo de pressão repugnante.
Em outras circunstâncias, seria até divertido ver os grandes oligopólios da informação, entre outros, correndo para soltar a grana e se dobrar à turba virtual.
Nas condições atuais, é mais do que moralmente discutível, é perigoso.
O Google, um monopólio que faria os capitalistas do começo do século XX parecerem cordeirinhos, “advertiu” dois sites conservadores americanos que os anúncios estariam bloqueados – uma sentença de morte, pois é daí que vem a renda de todos os espaços digitais.
Os sites são o The Federalist, que parece escrito por cavalheiros de peruca branca, e o ZeroHedge, mais voltado para a economia.
Sua “culpa”: comentários preconceituosos. Na sessão, obviamente, de comentários. E foi um repórter de um canal de televisão que “entregou” os supostamente faltosos. Jornalistas pelo direito de não informar, que tal?
Quem acha que a violência, virtual ou real, é necessária para chamar atenção e promover mudanças tem que assumir isso.
Da mesma forma, quem não concorda com a plataforma do BLM, – acabar com “a supremacia branca, o capitalismo, o patriarcado e a heteronormatividade” – pode muito bem manifestar o repúdio ao racismo e à violência nas manifestações encabeçadas pelo grupo.
Mas tem que assumir o potencial de quebra-quebra.
A organização desfruta no momento de 62% de opiniões positiva entre os americanos, uma prova da rejeição em massa à brutalidade absurda da morte de George Floyd . E também da forma impressionante como o BLM dominou a narrativa.
Quem adere e ajoelha voluntariamente, pode perfeitamente sentir que está fazendo um gesto contra a injustiça de todas as formas, inclusive racial, uma das grandes pragas da humanidade.
Vários políticos democratas, encabeçados pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi, assim o fizeram no começo do mês.
O resultado foi uma ótima foto.
Quem ajoelha ou pede perdão por culpas de antepassados distantes, por medo ou preventivamente, para não virar alvo, não sabe o que está despertando.
“Eu entendo o sentimento de frustração e de inquietação que move o Black Lives Matter”, disse Dominic Raab, preocupado com as repercussões.
O ministro foi criado na religião anglicana, da mãe.`Por parte de pai, é filho de refugiado, um judeu da antiga Checoslováquia que conseguiu ir para a Inglaterra depois que seu país foi entregue de bandeja à Alemanha nazista, através do Tratado de Munique de setembro de 1938.
Raab substituiu Boris Johnson durante o período em que o primeiro-ministro ficou internado com Covid-19. Já disputou o lugar dele e pode futuramente voltar a disputar.
Que político não quer o lugar de chefe de governo?
Segundo as últimas notícias desse front, O Banco da Inglaterra, mãe de todos os bancos centrais, e a Igreja Anglicana fizeram seus autos-da-fé.
Integrantes das duas instituições foram beneficiados por indenizações pagas aos donos de escravos nas colônias caribenhas quando houve a abolição, em 1833.
Mais: nos Estado Quaker, das aveias, vai mudar o nome de preparados para panqueca e xaropes da linha Aunt Jemima, com um desenho de uma mulher negra. Motivo? Enquadra-se num “estereótipo racista”.Na Inglaterra, o arroz Uncle Ben’s vai pelo mesmo caminho.
De grão em grão, os expurgos de um ridículo atroz vão crescendo e os joelhos se dobrando.