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Por Vilma Gryzinski
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Paris, Londres, Washington: deu a louca no mundo ocidental?

As crises institucionais nos principais centros da civilização criam um momento de arrepiante coincidência histórica, mas é bom manter a cabeça fria

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 10 dez 2018, 09h47 - Publicado em 10 dez 2018, 09h14

A violência desencadeada pelos coletes amarelos na França, a Grã-Bretanha surtada por causa do Brexit e as encrencas de Donald Trump criaram um alinhamento astral de arrepiar.

O que é circunstancial e o que é sistêmico? Impossível cravar no calor dos acontecimentos. Os coletes amarelos que começaram bloqueando estradas para protestar contra um aumento nos combustíveis terminaram exigindo a renúncia de Emmanuel Macron, eleito há apenas um ano e meio com mais de 60% dos votos.

Os protestos viraram arrastões, tanto literalmente, pelos saques e vandalismo, quanto politicamente, ao puxarem participantes antagônicos, aproveitadores ou ambos.

A certa altura, no protesto do último sábado, que não derrubou a Bastilha de novo como chegou a ser prognosticado, reuniam-se na Place de la République coletes amarelos, revoltados inicialmente com uma taxa para diminuir emissões de carbono, com zadistas, um movimento de ecologistas radicais especializados em grandes ocupações (o nome vem de Zonas A Defender).

Pelo menos não quebraram outra Marianne, a escultura que representa a república francesa. Mas ver um monumento tão simbólico como a estátua de nove metros de altura, com um ramo de oliveira na mão, envolto em chamas, cercado por um mar de coletes fluorescentes, criou uma imagem impressionante.

Já tem outra manifestação marcada para o próximo sábado, assim designada: “Quinto ato, Macron demissão”.

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Vale lembrar que, fora a imagem de prepotência e do discurso intelectualizado à la francesa, o presidente não foi pego em nenhuma falcatrua, seu partido não saqueou recursos públicos e ele está fazendo, de forma geral, exatamente o que prometeu durante a campanha eleitoral. Hoje, sairá do silêncio da última semana e anunciará medidas “imediatas e importantes”, talvez algum tipo de bônus para o salário mínimo e aposentadorias.

Vai adiantar? O movimento já estaria refluindo?

Muita sociologia vai rolar para definir que movimento é esse, que trouxe para as ruas francesas, um dos berços da democracia, um pouco da fúria dos manifestantes da Primavera Árabe contra ditadores vitalícios, bastante da horizontalidade espontânea dos protestos brasileiros contra a corrupção (um primor de civilidade em comparação com os franceses) e outro tanto da maioria silenciosa e insatisfeita que votou em Donald Trump e no Brexit.

Tudo, obviamente, ao estilo “revolução do Facebook”, ou YouTube, ou WhatsApp. Enfim, as redes sociais que transformaram a participação das pessoas comuns na política, dotando-as de uma voz sem precedentes  e também de pulsões imediatistas, em certos casos maximalistas.

Alguns vídeos de coletes amarelos poderiam ser transpostos, com mínimas adaptações culturais, para a greve dos caminhoneiros ou a mobilização dos bolsonaristas no Brasil.

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No auge da crise, alguns opinadores chegaram a sugerir que Macron renunciasse, uma hipótese considerada inteiramente absurda. Mas o simples fato de ser mencionada já dá uma dimensão do susto.

Mais real, inclusive pela diferença entre os sistemas presidencialista e parlamentarista, é a possibilidade de que Theresa May seja forçada a renunciar nessa terça-feira.

Integrantes do gabinete dela falam nisso abertamente, antecipando que a proposta dela para o Brexit seja esmagada por uma acachapante maioria dos votos na Câmara dos Comuns, unindo na rejeição a oposição trabalhista e a ala dos conservadores inconformados com o projeto.

O último levantamento dava 211 votos a favor e 428 contra. Que chefe de governo pode sobreviver a um massacre desse tamanho numa questão de importância existencial?

Com magnífica e precisa eloquência inglesa, o economista Mervyn King, ex-presidente do Banco da Inglaterra, assim definiu o defeito de base da proposta de Theresa May: “Existem bons argumentos para continuar na União Europeia e bons argumentos para sair. Mas não existe nenhuma justificativa para perder os benefícios de continuar sem obter os benefícios de sair. E, no entanto, é exatamente isso que o governo está propondo”.

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Mervyn King só não mencionou o principal argumento em favor de May: depois de desperdiçar dois anos negociando uma porcaria de acordo, voltar à estaca zero agora poderia ser pior ainda.

Outra alternativa, tramada sem nenhuma tentativa de disfarce, seria convocar um segundo plebiscito.

A Corte de Justiça União Europeia anunciou, com rapidez inédita, que existe a possibilidade legal de que o Artigo 50, sob o qual a desvinculação britânica está sendo conduzida, pode ser revogado unilateralmente pelo Reino Unido.

Haveria, assim, um prazo maior para negociar ou quem sabe até convocar o povo para se pronunciar de novo.

Sob o risco, obviamente, de enfurecer a plebe que votou pelo Brexit e achou que a questão estava decidida.

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Todas as possíveis saídas, no momento, parecem criar mais encrencas do que soluções. Não é impossível até que o Parlamento tenha que continuar em sessão, sem o recesso de Natal. Pior do que isso, só quando o próprio Parlamento proibiu o Natal.

É verdade: no rápido intervalo em que a Inglaterra foi uma república, com um rei, Charles I, decapitado e tudo, os protestantes puritanos que dominavam o Paramento sob o comando de Oliver Cromwell proibiram comemorações, corais, encenações e até comidas típicas, alegando, não sem alguma razão, que as festividades tinham um elo com o paganismo e “prazeres carnais e sensuais”.

A proibição foi decretada em 1644 e durou até a restauração da monarquia, em 1660. A riqueza, a diversidade e até as maluquices históricas ajudam a dar algum distanciamento quando acontecem crises aparentemente catastróficas.

A aparente contradição dos momentos conturbados nos países mais civilizados e ricos do mundo é que não estão relacionados a crises econômicas profundas.

Os “sans cullotes” de colete amarelo reclamam da vida apertada, quando sobra mês no fim do salário  1.700 euros é a renda média do país, relativamente modesta para o custo de vida alto e a voracidade fiscal necessária para manter benefícios invejáveis. Nem em seus piores pesadelos imaginariam o que é ganhar pouco e ter rede social esburacada.

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A Grã-Bretanha, com economia mais flexível, estava indo melhor do que a França na recuperação pós-crise de 2008 quando o Brexit foi votado.

E os Estados Unidos continuam a bombar sob Donald Trump. E, no entanto, o presidente é que pode ser bombado. Até agora, a acusação mais sustentável é de violação da prestação de contas de campanha.

Normalmente, é um malfeito punido com multa. Mas nada é normal em relação a Trump, a começar pela reações de ódio primal que provoca.

E a continuar com o objetivo uso ilegítimo do dinheiro, particular, mas com destinação eleitoral: dar um cala-boca para uma ex-modelo da Playboy e uma atriz pornô.

Uma recebeu 150 mil dólares para “vender” a história de seu caso com Trump ao dono de uma revista de fofocas, uma tática para engavetar a coisa toda. Outra fez um acordo de confidencialidade de 130 mil dólares. Não há nada de ilegal nisso  só tinha que ser declarado.

A movimentação não declarada aconteceu durante a campanha. Não se enquadra, portanto, em algum dos quesitos para a abertura de um processo de impeachment: os supostos crimes devem ter sido cometidos durante o exercício da presidência.

Mas Trump terá a partir de janeiro uma Câmara com maioria democrata e o promotor-especial Robert Mueller ainda não colocou todas as cartas na mesa  a investigação, só para lembrar, é sobre um possível conluio com agentes do governo russo para influenciar a eleição presidencial.

Se ele for indiciado, uma hipótese relativamente viável, só poderia ser processado depois de sair da Casa Branca. Mas só o impacto de ter um presidente nessas circunstâncias já seria arrasador.

Praticamente toda a elite, e uma parcela da população, sonha com isso dia e noite.

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