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Oriente Médio: dez fatos para esfriar cabeça depois do susto

Trump continua presidente, Soleimani continua morto e Irã saiu da falsa situação de vítima para acobertar, precariamente, a derrubada de avião

Por Vilma Gryzinski 10 jan 2020, 16h10

Só nos mercados financeiros, onde “viver” e “morrer” são decididos a cada minuto, o pessoal tem coragem de estourar champanhe.

Quem tem juízo ou menos dinheiro nas bolsas, administra criteriosamente o alívio com a chamada desescalada no Oriente Médio expandido.

Não é nenhum segredo que a situação continua a ser de alta instabilidade.

A calmaria aparente pode virar a qualquer momento e o regime iraniano é praticamente construído em cima de sentimentos de vingança que remontam à própria origem do xiismo, quando Ali e seu filho Hussein foram derrotados na guerra de sucessão de Maomé, há mais de 1 400 anos.

Mas, com todas as ressalvas, alguns fatos que desmentem os precipitados, por falta de conhecimento ou excesso de vontade de ver Donald Trump quebrar a cara, podem ser enumerados:

1. Não teve Terceira Guerra Mundial. A ideia de que Rússia e China, por causa do Irã, voluntariamente se apresentariam para o próprio holocausto nuclear, o resultado inevitável de uma guerra nuclear com os Estados Unidos, continua a ser uma hipótese muito, muito distante.

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2. Não teve guerra generalizada no Oriente Médio. Por mais que pareçam surtados, com ameaças tonitruantes das autoridades e milhões tendo ataques de nervos nas ruas, os iranianos são atores racionais. Sabem qual seria o resultado de um conflito aberto com os Estados Unidos.

3. Guerra assimétrica é outra coisa. Com ela, os iranianos já causaram um bocado de estragos quando George Bush filho teve a desastrosa ideia de colocar grande quantidade de americanos exatamente ao alcance desse tipo de conflito, no Iraque. Foi Qasem Soleimani quem orquestrou uma parte da carnificina, via seus apaniguados no Iraque.

4. O inesperado acontece, e como.

Da posição de vítimas nobremente revoltadas com um “ato de guerra” – um argumento falacioso do ponto de vista da Justiça americana, visto que Soleimani era um agente inimigo, fardado, numerado e identificado como tal -, os iranianos foram brutalmente empurrados para a defensiva com a derrubada, ao que tudo indica acidental, do avião comercial ucraniano.

Explodir 176 vidas humanas, mesmo que por o erro humano num momento em que, tendo disparado sua barragem de mísseis incrivelmente ineficientes contra americanos no Iraque, toda a estrutura militar estava em altíssimo estado de alerta, não tende a despertar simpatias.

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Passar a escavadeira, literalmente, nos destroços, eliminando elementos vitais para uma investigação imparcial, mostra que tipo de regime é o dos aiatolás.

Numa trágica ironia, a maioria quase total das vítimas, fora os nove ucranianos da tripulação, era de cidadãos iranianos ou de origem no país.

Somados aos mais de 60 mortos pisoteados no cortejo fúnebre de Soleimani, o número de iranianos mortos sem que os Estados Unidos disparassem um único rojão desde os mísseis Hellfire que explodiram Soleimani e comitiva já está por volta de 330.

5. Os Estados Unidos continuam no Iraque, apesar da aprovação de uma moção parlamentar para que se retirassem.

A moção, aprovada sem a presença de deputados sunitas e de parte dos curdos, não tem valor legal.

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O primeiro-ministro Nuri Malik, interino desde a renúncia provocada pelas manifestações em massa do que seria seu próprio eleitorado xiita, não tem autoridade para mudar acordos.

Como politico inteiramente controlado pelo Irã, que só chegou à chefia do governo por intervenção direta de Qasem Soleimani, ele quer que os americanos saiam?

Com certeza. Foi isso que disse diretamente a Mike Pompeo, o secretário de Estado. Isso vai acontecer? É possível. Mas está bem longe de ser um consenso entre as diferentes forças política iraquianas, a começar pelos curdos.

Eles formam uma região na prática independente e sua sobrevivência tem sido garantida pelos Estados Unidos desde os tempos de George Bush pai.

“Perder” o Iraque vai ser uma tragédia eleitoral para Trump? Não dá para cravar.

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6. Os iraquianos que são contra o governo terminalmente corrupto e a influência total do Irã no pais também continuam indo às ruas para fazer protestos.

Uma das consequências da explosão de Soleimani mais unanimemente prognosticadas foi a “morte” dos protestos no Iraque, tão excepcionais, considerando-se a ruptura do fortíssimo elo entre os xiitas.

Diante das dimensões do ataque contra um homem da relevância de Soleimani, fora seu também importante capanga local, os manifestantes ficariam indignados ou intimidados de protestar contra o Irã.

Não foi o que aconteceu. Embora em número menor, e numa situação de extrema instabilidade, eles voltaram às ruas.

Maalid Nawz, um britânico de origem paquistanesa que foi militante islamista e mudou de lado, criando um programa de desradicalização, estabeleceu um postulado útil logo depois da atordoante eliminação do general iraniano.

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“Cuidado com as previsões sobre o Oriente Médio feitas por quem nunca tinha ouvido falar em Soleimani até ontem – e ainda tem dificuldade para se lembrar do primeiro nome dele.”

Estava se referindo à habitual constelação de celebridades que pontificam sobre tudo e todos, sempre imaginando que “Donald Trump vai acabar matando todos nós”, segundo as palavras, sempre absurdamente exageradas, do diretor de cinema Michael Moore.

Mas as previsões sobre o fim dos protestos no Iraque foram feitas também sobre quem sabia perfeitamente quem era Soleimani e vive, profissionalmente, desse tipo de análise. Herrar é umano.

7. É claro que as análises erradas ou precipitadas são influenciadas pelo desejo, explícito ou inconsciente, de que Trump tenha finalmente dado o passo que o levará à derrota.

Um desejo tão incontrolável que colocou muitos políticos americanos numa armadilha autodestrutiva: a de exaltar Soleimani para condenar Trump.

Nancy Pelosi, a experiente presidente da Câmara e chefe da orquestra do impeachment, chegou a dizer o seguinte:

“É possível argumentar, colocando-se na posição inversa, que se os Estados Unidos tivessem uma pessoa muito importante, talvez a segunda pessoa mais importante do país, assassinada em algum lugar, isso seria considerado um ataque contra nosso país.”

É possível argumentar que muitos eleitores americanos ficaram assustados com a brutalidade da reação retaliatória (lembram-se da embaixada atacada em Bagdá?) ou preventiva (um ataque iminente, segundo o Pentágono) e até desistam de votar em Trump em novembro.

Mas poucos ficarão bem impressionados com uma comparação entre Soleimani, diretamente responsável pela morte de centenas de militares americanos no Iraque, e o vice-presidente dos Estados Unidos, a “segunda pessoa mais importante” do país.

Nancy Pelosi tem bagagem suficiente para não cometer esse tipo de erro, mas os lapsos acabam revelando desejos profundos de destruição, um traço frequente entre os antitrumpistas.

8. Aliás, a votação comandada por ela para “proibir Trump de fazer guerra contra o Irã” também pertence ao campo da encenações políticas.

A medida é de aconselhamento. Na prática, tem efeito nulo.

Trump continua a ser um presidente com plenos poderes, como comandante-chefe, para aprovar ações militares em situações de iminente perigo para o país em geral ou para a tropa em particular.

Não pode declarar guerra sem a aprovação do Congresso, mas isso é por causa de uma lei datada de 1973.

9. O preço do petróleo continua caindo.

10. “Osama Bin Laden está morto e a General Motors está viva”, dizia um brilhante slogan cunhado para turbinar Barack Obama, que autorizou a operação especial de neutralização do mentor do Onze de Setembro e o dinheiroduto para salvar a fabricante de carros.

Qassem Soleimani era um inimigo bem menos conhecido pelos americanos. Mas continua morto. E a economia americana está vivíssima.

Como a imprevisibilidade é uma das principais características da era Trump, é obrigatório acrescentar: por enquanto.

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