Oposição volta a sonhar: impichar Trump por caso da Ucrânia
Será um desastre de politicalha para sujar um adversário, Joe Biden; será o adversário exposto por sua própria sujeira ou ficarão ambos com o pé na lama?
Deve ser emocionante a vida num país onde o presidente cria uma armadilha para si mesmo a cada 48 horas. Ou menos ainda.
Também deve ser emocionante para a oposição e a maioria esmagadora da imprensa pensar a cada 48 horas: dessa vez pegamos Donald Trump.
O caso da Ucrânia tem todos os elementos desse coquetel de emoções.
Um integrante da chamada “comunidade de informações” usou um programa criado especialmente para permitir denúncias sigilosas sobre integrantes do governo que estejam cometendo irregularidades.
O integrante do governo é, obviamente, Donald Trump. E a irregularidade denunciada é uma bomba de âmbito internacional.
Trump fez e assumiu ter feito: em conversas com o novo presidente da Ucrânia, incentivou-o a investigar as múltiplas e obscuras camadas que envolvem corrupção governamental, oligarcas, interesses externos e, nesse caso específico, o filho do ex-vice-presidente e possível candidato democrata a presidente Joe Biden.
É claro que o incentivo de um presidente americano sempre vem cercado de algo mais do que palavras ao vento.
O algo mais seria uma ajuda militar de 250 milhões de dólares para uma Ucrânia ainda mordida pela Rússia, a vizinha poderosa que deglutiu a Crimeia e alimenta uma rebelião separatista atualmente de baixa intensidade.
Trump assume um pedaço da denúncia. Claro que diz não ter nada de errado em insistir da investigação envolvendo trambiques bem além da influência indevida proporcionada a Hunter Biden por seu devotado pai, quando ainda era vice-presidente.
Vantagem para Trump: as aventuras de Hunter Biden no campo dos investimentos internacionais, sejam na Ucrânia ou na China, já eram conhecidas, mas de forma nenhuma tinham grande projeção.
Agora, cada vez que se fala na atitude equivocada de Trump, ou até perigosa, ou mesmo causadora de um processo de impeachment, é preciso acrescentar, nem que seja por cima, o papel de Biden pai e Biden filho.
O candidato democrata, assolado por falhas de memória, bobagens sucessivas e uma adversária esperta, Elizabeth Warren, não tem outra opção a não ser uivar contra Trump.
Com ar triunfante, usou uma expressão para dizer o que fará com Trump. Em português, seria mais ou menos o equivalente a “descer o relho”.
Comédia real
Mas Joe Biden é mais do que escolado para perceber o potencial de encrenca para seu lado. Por isso, a tática democrata tem que ser de ataque total: impeachment, impeachment, impeachment.
Até Nancy Pelosi, a presidente da Câmara, também escoladíssima e quase octogenária, criticada pelas alas mais à esquerda do Partido Democrata por não se empenhar pelo pedido de abertura do processo de impeachment no momento, teve que aderir.
Motivo alegado: o governo está tentando impedir que o diretor de Inteligência Nacional revele detalhes da denúncia sigilosa à comissão parlamentar pertinente.
Disse ela: “Isso abre um novo e grave capítulo de ausência de legalidade que nos conduzirá a todo um novo estágio de investigação”.
Por enquanto, é jogo de cena. Pelosi quer derrotar Trump na urna, na eleição presidencial do ano que vem, e entende o repúdio da maioria da opinião pública a um processo de impeachment.
É claro que tudo pode mudar.
Se a interferência de Trump em seis conversas por telefone com Volodymyr Zelensky, que assumiu a presidência da Ucrânia há apenas quatro meses, for consolidada como abuso de poder, e ainda por cima com um país estrangeiro, a coisa fica feia para o lado dele.
Detalhe imperdível: Zelesnky é um humorista que ficou famoso interpretando um desconhecido que acaba eleito presidente ucraniano.
Quem bancou sua candidatura? O dono do canal de televisão onde passava o programa, Igor Kolomoisky, banqueiro bilionário enredado nas infindáveis intrigas ucranianas, sempre envolvendo muito dinheiro e muita corrupção.
São tantas as jogadas e interesses que fica difícil saber quem é bandido e quem é mocinho na Ucrânia.
O caso envolvendo o filho de Joe Biden é um exemplo.
Hunter Biden baixou na Ucrânia em abril de 2014. Papai ainda era vice de Barack Obama. Hunter magicamente, entrou para o conselho da Burisma, gigante do ramo riquíssimo de gás natural.
Não era um especialista no assunto. Dedicou-se mais a montar uma equipe de advogados de primeira para dar apoio, digamos, ao dono da empresa, Mykola Zlochevsky.
Nada surpreendentemente, envolvido num processo por corrupção.
A coisa fica mais complicada. Joe Biden, encarregado por Obama de acompanhar o dossiê Ucrânia, supostamente chantageou o governo ucraniano a demitir o chefe do Ministério Público, Viktor Shokin.
Surpresa, surpresa: era ele quem chefiava a investigação sobre a Burisma e o chefe de Hunter Biden.
E sabem quem disse que é tudo mentira, uma malvada teoria conspiracionista inventada por republicanos e que Shorkin na verdade sabotava as investigações sobre corrupção? O site The Intercept. É, aquele mesmo.
Microfone indiscreto
A história é complicada. Isso que nem chegamos nos incríveis investimentos que Hunter Biden conseguiu na China. Coisa de um bilhão. Viajando no avião do papai, o Air Force Two.
Também não vamos entrar aqui na vida pessoal de Hunter, que foi casado com a cunhada viúva, arrumou uma esposa mais jovem e tem um processo de paternidade de uma filha simultânea ao último casamento. Fora as drogas.
Também não chegamos ao papel de Rudy Giuliani, espalhafatoso enviado especial de Trump à Espanha, para desenvolver a causa junto a um representante do governo ucraniano.
E nem à ajuda que o pessoal do presidente anterior, Petro Poroshenko, deu à campanha de Hillary Clinton.
Tradução de ajuda: a ficha suja de Paul Manafort, ex-coordenador de campanha de Trump, atualmente cumprindo temporada de sete anos no sistema prisional.
Manafort tinha um rabo preso na Ucrânia e não declarou pagamentos recebidos por serviços prestados como lobista. Foi investigado até o fundo da alma, mas sua condenação não envolve coisa alguma ligada à campanha de Trump.
A força dos lobistas, inclusive e principalmente a serviço de interesses estrangeiros, é um dos espinhos cravados na democracia americana.
E quando um presidente ou candidato usa de sua posição para pressionar ou favorecer os mesmo interesses?
Em 2012, um microfone indiscreto captou Barack Obama dizendo ao poste de Vladimir Putin, Dmitry Medvedev, então na presidência da Rússia, que depois de reeleito teria “mais flexibilidade” para tratar de assuntos como o escudo nuclear que estava deixando os russos loucos da vida. Envolvendo a Ucrânia.
Foi um ato diplomático que deveria ter permanecido em segredo ou uma atitude escusa?
Na década de 80, Ted Kennedy, o irmão sobrevivente do clã e aspirante a presidente mesmo depois do acidente de carro em que largou uma namorada para morrer afogada, fez muito mais.
Através de contatos de um intermediário com agentes da KGB, propôs a Yuri Andropov ações conjuntas para impedir a reeleição de Ronald Reagan – e facilitar a eleição dele, claro.
Andropov provavelmente reagiu com extrema cautela. De qualquer maneira, morreu oito meses depois. O sucessor foi Mikhail Gorbachev, com as conhecidas consequências.
O caso Kennedy veio à luz quando os arquivos secretos russos foram brevemente abertos, revelando tesouros de informação.
Imaginem um semidivino Kennedy conspirando com os russos. E imaginem um presidente americano acusado de fazer a mesma coisa.
Ah, esta já aconteceu. E agora entrou a Ucrânia no meio.
Sobre a foto acima: Trump explicou que não anda com cartões de crédito desde que assumiu a presidência, mas continua gostando de dar gorjetas. Daí o dinheiro no bolso de trás da calça. Um volume a mais nos ternos que dizem ser Brioni, mas muitos não acreditam.
Desconfiam até dos ternos dele.