Mais gente quer Brexit agora do que na época do referendo
É uma surpresa só para quem segue as notícias com base em achismo e manifestações vistosas, mas também conta o prazo final para deslanchar a coisa
Os britânicos se arrependeram terrivelmente do resultado da votação de 2016, querem uma segunda chance, perceberam que vão se lascar, acham uma loucura perder as vantagens da União Europeia e enfrentar o mundo por conta própria.
O que tem de errado nas afirmações acima?
Bem, certamente muita gente acredita nelas. Ainda mais porque a esmagadora maioria dos influencers acha isso.
A divisão política profunda também produziu um Parlamento cheio de movimentos contraditórios e indecisivos, uma primeira-ministra – Theresa May – despachada para casa e um primeiro-ministro – Boris Johnson – com mãos e pés amarrados.
Sem contar que as manifestações contra o Brexit são muito mais animadas, coloridas e criativas.
O único problema são os fatos. A maior pesquisa sobre o tema desde o referendo mostra que 54% dos britânicos querem que o reino saia de vez.
Isso não significa que todos apoiem o Brexit. Na verdade, o número caiu dois pontos em relação ao resultado da votação, para 50%.
Mas a proporção dos que querem continuar na União Europeia diminuiu mais, para 42%. Uma queda de seis pontos.
A agonia política obviamente pesa. Depois de três anos e três meses, muita gente não aguenta mais.
Já que a coisa tem que acontecer, que aconteça logo, é o raciocínio.
Para que isso se materialize, Boris Johnson tem praticamente até amanhã para dar uma de Houdini e cortar as correntes nas quais foi enrolado pelos grupos parlamentares divergentes.
Se não chegar à reunião de cúpula da União Europeia com um pré-acordo acertado, vai ter que pedir uma prorrogação do prazo, no próximo dia 31.
Provavelmente, também vai ter que pedir o chapéu, de uma maneira ou de outra, já que apostou todo seu futuro político em cumprir a promessa de entregar o Brexit, por bem, via um acordo, ou por mal, através da saída a seco.
É realmente uma operação só para mágicos políticos.
São nada menos do que cinco forças políticas diferentes que precisam concordar com a proposta atual, envolvendo as enormes complicações sobre fronteiras e barreiras comerciais na Irlanda do Norte, o pedacinho de território irlandês integrado ao Reino Unido.
Como sempre, as divergências mais importantes são internas. A corrente contra o Brexit no próprio Partido Conservador é brava e está inconformada com o modus operandi brutal que Boris usou para enfrentá-la.
Imaginem só, o partido do governo envolvido numa briga de foice…
Mas Boris também tem que convencer os eternos rivais da Irlanda do Norte (ainda, e talvez para sempre, divididos entre católicos e protestantes) e até um país independente, a República da Irlanda.
Sem contar os dirigentes da União Europeia, em especial “os que contam”, Alemanha e França, para os quais a Grã-Bretanha precisa ser punida até o fim dos tempos para servir como exemplo de todos os males advindos da decisão impensável, para eles, de cair fora.
A favor de um acordo, pesam as perspectivas altamente negativas de uma saída a seco. O que a Itália faria com os 120 milhões de garrafas de Prosecco que vende por ano aos britânicos? E os 770 mil carros alemães? As exportações francesas de 45 bilhões de dólares?
Como já foi dito, existem ótimos argumentos para continuar na União Europeia e outros tantos para sair dela.
Mas muito poucos para romper na marra, como num divórcio litigioso, em que as duas partes saem machucadas.
Mesmo se fizer malabarismos quase inacreditáveis e chegar amanhã com uma proposta. Boris ainda tem que passar pelo crivo do Parlamento, obviamente.
Será no sábado. A sessão está sendo chamada de Super Sábado.
Para quem gosta de emoções políticas, mesmo depois de três anos de enrolação, é melhor do que o Super Bowl.