Macron: “nacionalismo da soja” é proposto desde antes da sua eleição
Com ou sem Jair Bolsonaro, o presidente francês quer aumentar a “independência proteica” - mas é claro que com fica mais fácil vender a ideia
Todas as correntes políticas francesas são protecionistas, com diferenças quase invisíveis a olho nu.
Emmanuel Macron não é diferente. Desde a época de sua candidatura, em 2017, anterior portanto à eclosão do fenômeno Bolsonaro, ele fala na “necessidade de reduzir as importações da soja proveniente do desflorestamento” e incentivar a produção local com o objetivo de atingir a “autonomia proteica”.
É um discurso que agrada a vários públicos: os ecologicamente preocupados, os adeptos da “França primeiro de tudo” e, principalmente, os produtores rurais, certos de que vão pingar mais subsídios para compensar a desvantagem competitiva.
Marine Le Pen, a líder da direita, é mais protecionista ainda, um discurso que cai bem na “França profunda”, o interiorzão tradicionalmente mais conservador e mais preocupado com a sobrevivência da prodigiosa – e cara – produção agrícola francesa. Melhor nem usar a palavra agrobusiness para não ofender sensibilidades.
Com eleição no ano que vem, e a possibilidade de que os dois, ela e Macron, se defrontem novamente nas urnas, o protecionismo só vai aumentar.
Principalmente quando os discursos já estão embicados para a disputa eleitoral. Para “recriar a soberania protética da Europa”, que importa 33 milhões de toneladas de soja por ano, sendo 37% do Brasil, Macron tem um plano ambicioso e provavelmente irrealizável: aumentar em 40% a áreas cultiváveis dedicadas às proteaginosas, num prazo de apenas três anos. Isso equivaleria a uma conversão de 400 mil hectares.
Os produtores evidentemente adoram o plano e as vantagens previstas, embora tenham uma visão mais realista.
“Como agricultores franceses ou europeus, somos capazes de assumir essa produção. E não só de soja como de colza e de semente de girassol”, disse à L’Expresse o presidente da Federação Nacional de Oleoproteaginosas, Arnaud Rousseau.
“Estamos prontos para aumentar a produção, mas isso não vai bastar para cobrir nossa demanda nos próximos dez anos, seja na França ou na Europa”.
Segundo Rousseau, nesse prazo, as importações francesas poderiam diminuir de 45% para 35%.
Qualquer redução que haja, evidentemente, prejudica as exportações brasileiras.
Macron, que é preparado para discutir qualquer assunto da face da Terra, e provavelmente fora dela, sabe muito bem que a soja brasileira não provém da Amazônia e que as imagens de florestas em chamas, mesmo que em regiões diversas e por motivos diferentes, impressionam a opinião pública, já naturalmente inclinada ao nacionalismo vegetal.
A pandemia também ajudou a insuflar o nacionalismo em outras áreas, e não só na França, quando ficou clara a dependência em relação à China.
Numa espécie de “nunca mais”, Macron lançou um programa de fabricação de máscaras está chegando à marca de 100 milhões por semana, o necessário para a autossuficiência.
A defesa da indústria nacional também pesou quando a União Europeia estava reservando ou comprando vacinas para seus 27 integrantes.
Segundo a imprensa alemã, furiosa com o atraso na vacinação e isso num país onde fica a BioNTech, o laboratório que criou a vacina com a Pfizer, a França exigiu uma espécie de paridade: se 300 milhões de doses da Oxford/AstraZeneca estavam sendo compradas, a “vacina francesa”, da Sanofi, deveria receber encomenda do mesmo tamanho.
Problema: a vacina da Sanofi enfrentou obstáculos técnicos e só deve ficar pronta no último trimestre do ano.
Numa disputa que se desenrola no tabuleiro geopolítico, como é o caso a produção e exportação de soja, um insumo vital, é recomendável que os conheçam o oponente e suas estratégias de curto e longo prazo.
Sejam quem forem os presidentes, no Brasil ou na França, a tensão vai sempre existir e até aumentar. Tolice é dar argumentos ao oponente para manipulá-las de acordo com seus próprios interesses.