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Linguarudos: homens que perderam cargos importantes por fala torta

O presidente da Olimpíada de Tóquio foi o último caso recente de de discurso arrevesado que não resiste à pressão de grupos internos

Por Vilma Gryzinski 12 fev 2021, 07h57

Mesmo descontando-se a idade – 83 anos – e a tradicional cultura de menosprezo pelas mulheres, Yoshiro Mori, um ex-primeiro-ministro convocado para ser presidente da Olimpíada de Tóquio, pisou na bola.

Reclamou, numa reunião on-line, que as mulheres falam demais e acabam prolongando todo tipo de compromisso coletivo de trabalho.

“As mulheres são muito competitivas. Se uma levanta a mão, as outras provavelmente pensam que também devem dizer alguma coisa. É por isso que todo mundo fala”, enrolou-se ele ao tratar do possível aumento do número de mulheres no conselho do comitê olímpico.

Talvez o senhor Mori tenha passado as últimas décadas abduzido por extraterrestres para não reparar que os representantes do sexo masculino costumam ser os campeões de competitividade entre pares. E que reuniões intermináveis já existiam muito tempo antes que as mulheres passassem a fazer parte delas.

Ou talvez tenha tido apenas um ataque de sincericídio, daqueles em que a pessoa fala o que realmente acha, sem filtros.

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Em qualquer hipótese, ele não fez muito bem ao seu futuro no cargo nem à imagem da Olimpíada de Tóquio, já assolada pelo adiamento no ano passado e a incerteza em relação a este ano, uma tortura especialmente cruel num país onde a previsibilidade  e o controle de todas as contingências são valores supremos.

Falar o que dá na telha, atitude geralmente associada a quem está em posições de poder, gerou vários casos recentes de perda de postos, alguns perfeitamente compreensíveis, como o de Yoshiro Mori, outros discutíveis.

Todos com algo em comum: o mundo não anda favorável a quem fala o que quer, principalmente quando envolve questões identitárias. A facilidade do Zoom, sem o filtro das relações interpessoais ao vivo, pode ser uma armadilha.

O presidente da KPMG, gigante do ramo das auditorias com sede em Londres, Bill Michael, afastou-se do cargo depois que a direção da empresa abriu uma investigação sobre comentários que fez numa grande reunião on-line com cerca de 500 integrantes da equipe de consultoria da área financeira.

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Michael disse que o pessoal precisava parar de reclamar da pandemia e que a empresa é de uma área privilegiada pela sorte, considerando-se outros ramos mais combalidos. Provavelmente estava se referindo a reclamações por cortes de bônus.

Ele também reclamou, do jeito bem direto dos australianos, que os cursos de treinamento sobre preconceitos inconscientes – quase que uma exigência nas grandes empresas para dar a impressão que se preocupam com a diversidade – são uma besteira completa. Usou uma palavra um pouco mais forte para besteira.

“Não existe preconceito inconsciente. Depois de cada um dos treinamentos de preconceito inconsciente jamais feitos, nada nunca melhorou”.

“Está brincando?”, escreveu um dos funcionários anônimos que o denunciaram. “Informe-se antes de fazer declarações assim. Confira seu privilégio”.

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Estas são expressões comuns usadas em relação a homens brancos que saem da linha politicamente correta, mesmo com boas intenções, como aconteceu no caso de Bill Michael, aparentemente indignado pela falta de resultados dos cursos de “conscientização”.

Insensibilidade racial, ou a mera percepção dela, também parece ter sido o motivo de outro expurgo no New York Times

Donald McNeil Jr, repórter de ciência que vinha integrando a excepcional cobertura da pandemia feita pelo jornal, dançou por causa de comentários feitos durante uma viagem de estudantes do segundo grau ao Peru – uma das várias formas criativas, digamos, que o Times usa para diversificar os ingressos.

O episódio é nebuloso. Aparentemente, um estudante perguntou se uma menina de doze anos que havia feito um vídeo com a palavra “negro” – altamente ofensiva nos Estados Unidos –  deveria ser suspeita. Ao responder, pedindo esclarecimentos, McNeil repetiu o epíteto.

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Houve reclamações de pais e alunos, McNeill recebeu uma repreensão depois de fartos pedidos de desculpas e o caso parecia encerrado.

Não no ambiente imperante hoje no New York Times, onde integrantes da redação e de outros departamentos se unem em comitês para pedir a cabeça dos que se desviam da linha justa. 

E as cabeças são cortadas, como aconteceu com o editor da seção de opinião, James Bennett, detonado por justamente publicar uma opinião contrária ao progressismo militante do jornal. Bennett era considerado um eventual substituto de Dean Basquet como diretor de redação.

Outro caso, mais complicado ainda, aconteceu na França. Frédéric Mion, diretor da Sciences Po, a legendária faculdade de ciências políticas de Paris, foi obrigado a se demitir por ter mentido sobre o que sabia a respeito de um escândalo em curso nos meios intelectuais franceses.

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O caso envolve Olivier Duhamel, um sociólogo dessa mesma elite acusado pela enteada, Camille Kouchner, de ter abusado de seu irmão gêmeo quando o menino tinha 14 anos. É uma história sofrida, tanto pelo horror da violência incestuosa quanto pelo fato de que a mãe dos gêmeos ficou do lado do marido.

Mion ficou sabendo de “comentários” sobre o caso, ocorrido há mais de trinta anos, e aparentemente, enterrou a história.

Quando o livro de Camille Kouchner onde o abuso é relatado saiu, Duhamel pediu demissão de todos os postos que ocupava, inclusive como membro da direção da Sciences Po. 

Mion deveria ter agido antes, levado adiante denúncias baseadas em boatos, segundo alegou?

Não existem respostas simples. O que não deveria ter feito é fingido surpresa total quando o escândalo explodiu. 

Quando grupos de alunos começaram a fazer protestos na frente da Sciences Po, gritando “Mion, démission”,  seu destino foi selado.

Yoshiro Mori pediu demissão hoje.

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