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Libertinas ou puritanas? Está difícil para Catherine Deneuve

Atriz se atrapalha entre os extremismos feministas, mas não é a única a se enrolar em contradições que fazem parte da essência humana

Por Vilma Gryzinski 15 jan 2018, 16h31

Acostumada a ser tratada como uma divindade, Catherine Deneuve está experimentado o inferno de entrar no mundo dos julgamentos instantâneos e muitas vezes virulentos das redes sociais.

Até de tia velha foi chamada, justo ela que chegou aos 74 anos com o patrimônio de veneração acumulado na época em que teve direito a ser considerada a mulher mais bela do mundo.

Na “guerra dos manifestos”, em que feministas francesas de diferentes matrizes se defrontam, Deneuve se sentiu na obrigação de fazer uma jogada solo.

Enrolou-se toda no texto confuso publicado no Libération com o objetivo de explicar sua adesão ao abaixo-assinado de 100 mulheres no Le Monde defendendo a “liberdade de importunar”, como sinônimo de cantada indesejada.

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“Nada nesse texto pretende que o assédio tenha algo de bom”, escreveu, contradizendo exatamente o princípio acima exposto.

Catherine pediu desculpas às mulheres violentadas, “e exclusivamente a elas”, porque uma das signatárias do manifesto do Le Monde disse depois, num debate na televisão, que vítimas de estupro podem sentir prazer sexual. “Isso é pior do que cuspir na cara de todas as que sofreram esse crime”, protestou a atriz.

Como vida e arte se enroscam muitas vezes de maneiras inseparáveis, vale a pena ver de novo algumas obras cinematográficas sobre o tema. Há apenas um ano, o Golden Globe de filme estrangeiro foi para Elle, de Paul Verhoeven.

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No filme, Isabelle Hupert faz uma versão de vícios dramáticos exagerados do papel que consagrou Catherine Deneuve: a deusa gélida no meio de um turbilhão sexual. Ela também é estuprada e não parece nada abalada, embora planeje uma vingança que acontece de maneira inesperada.

Independentemente das qualidades – ou insuportáveis defeitos – do filme, é difícil imaginar que Elle fosse premiado apenas um ano depois. Muito menos no ano das decotadas mulheres de preto.

O que passava por ousadia europeia, hoje é considerado inaceitável pelos padrões não apenas hollywoodianos, mas da geração atual de feministas francesas, adeptas da hashtag “denuncie seu porco”, a versão com um intraduzível jogo de palavras do MeToo. Porco é chauvinista assediador, claro.

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É possível reconhecer a natureza “selvagem e primitiva” do sexo, como faz Catherine Deneuve no abaixo-assinado do Le Monde, e ao mesmo tempo repudiar o assédio, como ela diz no texto do Libé, ressalvando que os acusados de uma “mão passada nas nádegas” trinta anos atrás não merecem ser julgados sem recurso nos tribunais digitais?

Provavelmente não, embora não custe tentar em nome da honestidade intelectual. “Alguns me acusarão de licenciosidade inútil, até de pornografia”, escreveu o autor do romance Belle du Jour, a bela da tarde que Luis Buñuel transformou no pedestal para a glória de Catherine Deneuve.

O escritor era Joseph Kessel; o ano, 1928, e o escândalo muito mais previsível para uma história em que a jovem mulher bem de vida se prostitui com os tipos mais repugnantes num rendez-vous, reservando ao marido um afeto incondicional.

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“Tentei mostrar o divórcio terrível entre o coração e a carne, entre um amor verdadeiro, imenso e terno, e a exigência implacável dos sentidos. É um conflito que, com raras exceções, cada homem e cada mulher que ama por muito tempo leva em si”, escreveu Kessel no prefácio em que tentava aplacar as reações negativas a seu livro.

É impossível não ver o prazer com que o grotescamente feio e sexualmente reprimido Buñuel fazia o “cliente” de dentes de ouro interagir, por assim dizer, com a bela da tarde. Paul Verhoeven teria que nascer em outra era, outro país e outra psique para chegar perto em matéria de labirintos emocionais.

Muitos franceses adoram se escandalizar com o “puritanismo” americano e proclamar seu legado libertino como uma vitória dos espíritos livres. Talvez agora estejam vivendo um choque de realidade com a propagação, entre eles, do feminismo de viés puritano que abjura o sexo como um mal em si.

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As incongruências de Catherine Deneuve são um reflexo dos extremos das duas correntes. Também indicam uma certa ingenuidade até encantadora: não parece existir nenhum empresário por trás de suas manifestações, orientando-a sobre como faturar com o rótulo de feminista e desfilar de preto exatamente no mesmo lugar onde Harvey Weinstein era tratado como deus.

Com seu excesso de peso e de intervenções faciais, ela parece existir num mundo em que atrizes e correlatas não são manufaturadas, fisicamente reprojetadas e controladas em cada detalhe por profissionais da imagem.

Não é um mundo em que cantar Vai, Malandra possa ser considerado um manifesto pela emancipação da mulher. Mas também ninguém vai desmaiar de pavor se ouvir “Se eu começar embrazando contigo/ É taca, taca, taca, taca”.

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