Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Mundialista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Vilma Gryzinski
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Golpe de sorte: Erdogan manipula levante militar fracassado

Líder turco mostrou que tem a força e a massa para expandir seu projeto autoritário islamista

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 5 dez 2016, 11h21 - Publicado em 17 jul 2016, 13h49
Poucos contra muitos: simpatizantes atenderam apelo de Erdogan e desceram a mão em golpistas

Poucos contra muitos: simpatizantes atenderam apelo de Erdogan e desceram a mão em golpistas

O simples fato de que a circule a hipótese de uma armação na Turquia já mostra o ambiente político altamente tóxico do país. O presidente Recep Tayyip Erdogan não ajudou em nada ao dizer que o golpe fracassado do dia 15 foi “um presente de Alá” – e descer a mão brutal da repressão nos golpistas e simpatizantes, reais ou imaginários.

É impossível, pela lógica, que Erdogan tenha tramado ou deixado avançar uma conspiração golpista liderada por uma ala do Exército, comandada pelo general Erdal Ozturk, para aproveitar e decapitar os inimigos.

O risco de que outros comandos aderissem era grande demais. Mesmo tendo cooptado, ou domado, a cúpula militar, Erdogan é o primeiro a saber da fratura sistêmica que existe entre o sistema islamista do qual é um dos grandes líderes mundiais e o nacionalismo militar.

O choque entre políticos que querem um regime totalmente baseado em princípios religiosos e militares nacionalistas e modernizadores caracterizou a segunda metade do século passado e avançou até.

Continua após a publicidade

Egito, Síria e Iraque são países árabes onde as consequências desse confronto se reproduzem até hoje, com adaptações e metástases de extrema violência. Mas foi na Turquia onde nasceu a ideologia modernizadora e nacionalista.

Como a Inglaterra, a Turquia tinha um império, o otomano, que se dissolveu no grande rearranjo de forças que antecedeu e sucedeu a I Guerra Mundial. Do império reduzido à Turquia propriamente dita, Mustafa Kemal Ataturk, militar que ascendeu à liderança do movimento dos Jovens Turcos, construiu uma república moderna, na qual a religião muçulmana era vista como sinal de atraso.

Ataturk mudou tudo, desde o alfabeto – que passou a ser latino, cheio de cedilha e tremas para reproduzir os sons da língua- até o calendário, adotando o gregoriano, como no mundo ocidental.

O véu na cabeça ou sobre o rosto todo, para as mulheres, e os diferentes turbantes e barretes, para os homens, como exige a tradição muçulmana, foram proibidos em escolas e instituições públicas.

Continua após a publicidade

Os militares tornaram-se os herdeiros desse regime secular, que importou também males como a criação de uma burocracia superpoderosa e de um estado policial, com  múltiplos serviços de espionagem e contraespionagem, repressão e tortura.

Durante a Guerra Fria, quanto mais a União Soviética apoiava a rebelião dos curdos, minoria étnica em eterno estado de conflagração para conseguir a independência, mais os militares turcos iam para a direita. Podiam fazer quase tudo: os Estados Unidos e aliados dependiam, mais do que das bases militares em território turco, das estações de escuta voltadas para os soviéticos.

A religião muçulmana praticada de maneira tradicional parecia confinada ao interior da Turquia, mas a associação entre fé e política, uma coisa só no Islã, também passou por um processo de modernização à sua maneira.

O islamismo de Erdogan tem a mesma matriz, o mesmo metódo e a mesma finalidade da Irmandade Muçulmana: tomar o poder e nele se consolidar, sob a bandeira do Islã e da sharia, usando a democracia eleitoral. Todo o aparato democrático é apenas um meio, inteligentemente manipulado, inclusive para abafar criticas.

Continua após a publicidade

Até os nomes dos partidos são escolhidos para passar a ideia de organizações similares às conhecidas nos países ocidentais. No Egito, é o Partido da Justiça e da Liberdade. Na Turquia, Partido da Justiça e do Desenvolvimento. Quem pode ser contra alguma dessas coisas?

O partido de Erdogan hoje tem maioria eleitoral, o que pareceria impossível para o establishment laico, e é um movimento de massa. A capacidade de mobilização ficou patente na tentativa de golpe. Os militares golpistas eram poucos e os partidários de Erdogan, muitos. Soldados rendidos, esmurrados, surrados com cintadas e até executados por civis são uma das imagens mais impressionantes do golpe fracassado e da força de Erdogan.

E um dos aspectos mais interessantes é que Erdogan acusa pelo golpe não os suspeitos de sempre, os militares ainda fiéis ao sistema criado por Ataturk, mas um outro movimento de natureza islamista, este de características únicas.

Durante muito tempo, ambos os movimentos compartilharam o mesmo destino. Eram perseguidos pelos militares e apoiados, muitas vezes secretamente, por uma minoria silenciosa que se tornou maioria.

Continua após a publicidade

O inimigo declarado de Erdogan é Fetullah Güllen, um personagem misterioso e carismático, fundador de uma espécie de seita, que fugiu da Turquia e acabou radicado nos Estados Unidos.  Numa comparação bastante exagerada, o gulenismo é uma mistura do que a maçonaria e a Opus Dei são em países ocidentais.

Como a maçonaria, pelo menos em seus tempos áureos, tem ritos iniciáticos e inflama a imaginação dos que estão fora. Como a Opus Dei, procura canais de influência através de instituições de ensino e meios de comunicação. O nome pelo qual é conhecido parece coisa de ficção, Hizmet, ou O Serviço.

Tem milhões de adeptos na Turquia e em outros países. Quantos, exatamente, é difícil dizer porque muitos não são declarados. Curiosamente, a expansão do gulenismo na Turquia começou com cursos vestibulares voltados para filhos de famílias de classe media que queriam uma boa educação para os filhos, mantendo o perfil religioso.  Com o tempo, avançou para universidades, indústrias, jornais e canais de televisão.

Quando agia em conjunção com o partido de Erdogan, foi vital tanto no apoio eleitoral como nos processos contra militares acusados de conspirar contra o governo. Um dos mais m importantes focos de influência do movimento é no Poder Judiciário. Por isso, Erdogan, depois do golpe, expandiu o expurgo já em andamento, exonerando mais de dois mil juízes.

Continua após a publicidade

Erdogan e os gulenistas romperam em 2013, quando circularam gravações altamente comprometedoras sobre ele, seu filho e aliados. Tratavam de assunto conhecidos pelos brasileiros: comissões, lavagem de dinheiro, contas no exterior. Em represália, Erdogan expropriou o maior jornal do país, que pertencia ao movimento, e começou a expurgar gulenistas “infiltrados” nas instituições públicas.

O golpe frustrado ajuda Erdogan a ampliar esse processo e é por isso que seus adversários falam em armação, com conspiracionismo característico de um país tão complicado. Cria também um problema adicional para os Estados Unidos e a Europa Ocidental, que precisam da Turquia para combater ou manter sob controle o Estado Islâmico, manejar as massas de refugiados e não instabilizar ainda mais uma região mergulhada ou à beira de mergulhar no paroxismo.

A Turquia exigiu também a extradição, impensável, de Fetullah Güllen, um homem com o olhar perigosamente iluminado dos gurus e uma mensagem explícita de harmonia e convivência entre as três grandes religiões monoteístas.

Mas por golpe de sorte ou do destino – deixemos as teorias conspiratórias para os turcos -, Erdogan está com uma cimitarra enorme na mão para cortar os queijos inimigos e se eternizar como o sultão autoritário que sempre quis ser.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.