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Esquerda, direita ou delírio: a confusão é total na França

Nascidos na era da 'política zap-zap', os coletes amarelos embolam as definições tradicionais e aceleram a entrada num mundo sem parâmetros

Por Vilma Gryzinski 7 jan 2019, 07h52

Os franceses estão perdidos. Um rápido passeio por alguns dos pontos mais conhecidos de Paris mostra por quê.

Está enfrentando o frio e andando pela avenida Saint-Germain-des-Prés? Aparece uma multidão de “coletes amarelos” que faz uma barricada bem do lado da igreja cuja origem remonta ao século VI.

A tropa de choque vem atrás, motos e um carro são queimados e sobe uma coluna de fumaça negra.

A igreja, transformada em fábrica de salitre para fabricação de pólvora durante a Revolução Francesa, já testemunhou coisas piores, mas é chocante ver a persistência e a violência do movimento iniciado como um protesto contra um imposto ecológico sobre combustíveis.

O quebra-quebra de sábado à noite na Champs Elysées já virou “tradição”. Agora muitos turistas ficam tirando fotos. As árvores transformadas em grandes tulipas vermelhas pela elegante iluminação de Natal assistem silenciosamente enquanto o pau come feio na rua.

Uma inovação apavorante do último protesto: manifestantes tentaram entrar no Museu D’Orsay, o coração da civilização francesa tal como pintado no revolucionário período que vai do meio do século 19 ao começo do 20.

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O que fariam se tivessem conseguido entrar? Passariam na frente da multidão de visitantes no penúltimo dia da exposição de sublime beleza das fases azul e rosa de Picasso?

A poucos passos dali, na passarela sobre o Sena, um grandalhão esmurrou com eficiência profissional um policial da tropa de choque. Pouco antes, havia atacado outro, caído no chão, a pontapés.

Explicação para o profissionalismo dos murros: é um boxeador profissional, Christophe Dettinger, conhecido como Cigano de Massy.

“FRANÇA PROFUNDA”

Outro grupo usou uma miniescavadeira para abrir um buraco numa daquelas portas de Paris que parecem ter sido feitas para resistir à invasão dos hunos e se espalham nas sedes de ministérios em volta da Assembleia Nacional.

O porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, quase tinha lágrimas nos olhos ao contar como foi tirado de seu prédio pela segurança para escapar do “ataque à França”, uma expressão repetida mil vezes por políticos e comentaristas acachapados pela mesma pergunta: o que fazer?

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Emmanuel Macron, o presidente que descobriu ser odiado pela “França profunda”, já entregou vários anéis: suprimiu o detestado imposto sobre combustíveis, subiu o salário mínimo, mudou contribuições de aposentados, mandou o equilíbrio fiscal às favas. E, claro, propôs um “debate nacional”.

Em número menor, mas cada vez mais embriagados pelo quebra-quebra, os coletes amarelos pouco ligaram. Só deram uma trégua à véspera do Natal.

Como é um movimento da era da política pelo WhatsApp – ou Twitter, ou qualquer outra forma digital de agitprop –, sem líderes nem agenda fixa, os coletes amarelos estão inconscientemente seguindo os manifestantes de 1968 e exigindo o impossível.

Apareceram muitas propostas de referendo por Iniciativa Popular que soam mais como uma defesa da abolição da democracia representativa.

Entre políticos que estão pegando carona no movimento, à direita e à esquerda, não é mais inimaginável uma proposta como a dissolução da Assembleia Nacional. Ou seja, novas eleições.

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Uma das atitudes mais bizarras é a de Jean-Luc Mélenchon, líder da partido França Insubmissa, uma espécie de PSOL mais bem sucedido ao herdar órfãos da implosão do Partido Socialista.

Totalmente entusiasmado pela turma do colete, “uma das melhores coisas que aconteceram ultimamente”, ele se derreteu com o caso o caminhoneiro Éric Drouet, uma figura que se destacou no movimento e está sendo processado por incitar a turba a invadir o Palácio do Eliseu, onde Macron acompanhava uma das manifestações mais violentas – com um helicóptero pronto para uma retirada estratégica, se fosse o caso.

Chegou a compará-lo a Jean-Baptiste Drouet, o revolucionário que reconheceu Luís XVI na fracassada tentativa de fuga para a Áustria, em 1791, que poderia ter mudado o rumo da história francesa.

“Não entendo mais o que o senhor Jean-Luc Mélenchon está fazendo. Ele deixou o campo da esquerda”, queixou-se o socialista Benoît Hamon.

Candidato derrotadíssimo à presidência, Hamon também disse que Éric Drouet votou em Marine Le Pen nos dois turnos da eleição.

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O caminhoneiro desmentiu, mas é fato que a votação na candidata presidencial da direita pura e dura foi proporcionalmente maior entre os coletes amarelos.

E que o partido de Marine Le Pen, rebatizado de Coligação Nacional, um nome pior mas supostamente purificado que Frente Nacional, está sendo beneficiado pelo derretimento de Macron e a formidável confusão ideológica provocada pelos coletes amarelos.

NOVO MUNDO

Identificados com o novo populismo, o fenômeno que, resumidamente, produziu Trump, Brexit e Bolsonaro, os coletes amarelos estão dando nós nos conceitos tradicionais de direita e esquerda – e exatamente no país onde eles nasceram e foram escrupulosamente mantidos nos últimos 230 anos.

Nesse novo mundo sem os parâmetros habituais, os coletes amarelos reivindicam, para ontem como exige o ritmo acelerado do Zap-Zap, mais aumentos de salário e benefícios para aposentados e reintrodução do imposto sofre fortunas.

Em princípio, são reivindicações tradicionais da esquerda – embora na França até a direita seja de esquerda quando se trata de esperar tudo do Estado provedor.

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Mas uma consulta online do Conselho Econômico, Social e Ambiental para promover o embaçado debate nacional, colocou em primeiro lugar a revogação da lei do casamento igualitário.

Desde quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo estava na mira dos coletes? E o que tem a ver com o sentimento de exclusão e de revolta da chamada França periférica, o interior profundo que ficou para trás com as transformações das últimas décadas – globalização, digitalização, mudanças comportamentais?

Apoiados por quase 80% da opinião pública quando irromperam estrondosamente num cenário político que há gerações não via uma “revolta dos campônios”, o pessoal simples e trabalhador que em geral não tem tempo nem disposição para manifestações, os coletes amarelos estão perdendo simpatias pela violência que praticam, deixam praticar ou não conseguem controlar.

No último sábado, houve até um protesto de coletes amarelos contra outros coletes amarelos que aceitaram o convite para se reunir num anexo do jornal La Provence feito pelo dono, o notório Bernard Tapie, dono do time Olympique de Marselha, da Adidas e de uma infindável ficha de processos na justiça.

Deu para ter uma ideia de como os franceses estão perdidos?

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